Do colo nos desprazeres
Nós mulheres sabemos que desde os primórdios é exigido de nós empatia e projeção do amor constante, não só nos responsabilizando de sermos as mediadoras dos conflitos e consequentemente empáticas. Mas, sabemos também que ao necessitarmos de demonstrações de afeto somos taxadas como carentes e vazias.
Pensando hoje sobre à construção das identidades e reconhecimento das mulheres, em especial das mulheres negras, existe em um subconsciente social implantada de forma gradativa, a ideia de que mulheres negras tendem e devem cuidar inclusive dos homens negros, e que isso antes de tudo deve ser natural.
Em minha rotina observo essa vontade excessiva de cuidar da casa, das pessoas, dos amores, das crianças e observo isso em minhas ancestrais, e junto esse sentimento que parece ser meu, dá vontade constante de estar no controle do cuidado. Me vem a culpa e a reflexão de que na maioria das vezes eu não faço o mesmo exercício por mim. Sofro e me sinto sozinha e esperando o ideal recíproco de amor criado de forma irresponsável, mas não transporto para mim o meu amor, que dou a todos.
Em “Tudo sobre o amor” de bell hooks, a autora ressalta várias vezes que o amor é um ato de responsabilidade e de escolha, antes de tudo um compromisso com a verdade e com a justiça e com isso a autora não ressalta somente o amor romântico depositado no outro, ela fala também do amor-próprio.
As direções da construção do conceito amor
Nas diversas leituras que fiz em minha caminhada, tanto acadêmica quanto fora dela, não me lembro de ler livros românticos que citavam o amor-próprio, e os livros pelos quais me interessavam sempre havia histórias que não dariam certo, ou muito complexas, talvez querendo me contar uma versão de amor que era a que eu observava vendo as relações em minha volta.
Sabemos que quando criança somos condicionados a observar e repetir as atitudes dos responsáveis ou adultos que nos cerca, que nos dizem sobre como nos comportar e comigo o amor sempre esteve associado à violência. Às vezes por isso do excesso de controle mas também me foi condicionado a função de cuidadora, com irma mais velha eu era responsável pela maioria das questões dos meus irmãos e às vezes da minha própria mãe.
Com isso as minhas concepções de amor foram construídas a partir de um relacionamento que sempre estava em crise e por isso eu sentia a necessidade de sempre manter as relações que tinha, mesmo que elas fossem prejudiciais para mim.
Dito isso, o amor condicionava em mim a necessidade de manter-me em situações onde eu facilmente associava abusos físicos, sexuais e psicológicos com amor, por constantemente ouvir que “eu te bato por amor, quero o seu bem” você será punida por amor”, etc. Hooks escreve que o amor não tem nada a ver com a violência, tem a ver além do sentimento, com compromisso.
Sobre as versões e ideais do amor
Como grande amante do amor romântico, sempre tive interesse por filmes e livros que falavam sobre relações, quanto mais complicadas mais me inspiraram. Cresci com medo de não absorver o conceito de amor, depois de tanto me submeter o meu medo era de não ser amada.
Ao passar por um relacionamento que quase tirou minha vida, comecei a ouvir que era resiliente, e que uma pessoa resiliente aguentava tudo.
No livro “E eu, não sou uma mulher?” bell insiste em nos lembrar dos pactos da branquitude e das uniões machistas, do homem negro para o homem branco, citado sempre essa função que a mulher negra foi obrigada a ter no correr dos anos, em trabalhos árduos e do cuidado com os filhos e os maridos. E que o homem negro acima de tudo quer estar ao lado ou ao menos equiparado ao chegar no lugar de acensão, do homem branco, e que as mulheres brancas devem estar à disposição deles o tempo todo.
Assim como ela coloca a piramide social do homem branco no topo, seguido do homem negro, da mulher branca e na base a mulher negra, eu arisco dizer que nas relações de afeto e cuidado nada muda.
As mulheres negras são altamente condicionadas a cuidar. A todo custo e manipuladas de forma que sintam culpa ao não fazer, mas e quem cuida da mulher negra?
O assunto autoestima ainda é tabu entre as mulheres de todas as raças, uma vez que não é interessante nem para o capitalismo, nem para o patriarcado mulheres que se conheçam, conheçam seus próprios corpos e vontades e consigam decidir por si mesmas, logo a submissão com o nome de “amor” ainda é um dos maiores impedidores de relações saudáveis sejam héteros ou homoafetivas.
Sobre se amar para amar ao outro
Com os ideais liberais de família, por muitos anos então as mulheres vem ocupando este espaço de amáveis, mas raramente amadas, nem pelo outro, nem por si mesmas. As religiões por muito tempo pregam a ideia de submissão das mulheres, para o bem viver e dita papéis que elas devem seguir para agradar a Deus.
Por diversas vezes nossas crianças ouvem que necessariamente devem seguir aos padrões da época, casa-se ter filhos e serem constantemente presentes na vida de todos que a cercam, dificultando assim o autocuidado e auto-observação. Com o ideal implantado de que devem dar a vida pelos filhos, mães detestam a maternidade quando gostam é sempre com esse conceito de se doar ao máximo. Mas, como se doar ao máximo pelo outro quando não olha para si? Como preparar e estar pronta sempre que alguém precisar, mas quando os traumas e os sentimentos que precisam ser olhados chamam, não estamos disponíveis.
Como citado anteriormente, raras são às vezes que somos ensinas da escolha sobre as próprias coisas, e a se observar como ser humano que sente, assim como o homem, vontade, desejos, ou até o não desejo das coisas, poucas de nós fomos ensinadas afetuosamente a como lidar com os seus sentimentos com os mesmos bons olhos que olhamos o sentimento alheio.
Doar-se completamente a relações de afeto vem da sensação de não pertencer a nada, e se caso pertença, esteja sempre na posição de quase perder ou de sempre ter que disputar, por exemplo. Nas relações heteroafetivas isso acontece com frequência após mentiras acontecerem, por não sermos criadas a entender nossos limites nos submetemos a situações que trabalham em nós de forma consciente ou não, as inseguranças de uma vida a dois.
Homens são ensinados a mentir, pelo efeito patriarcal, hooks diz que pela falta de responsabilização dos próprios atos, mentor é uma espécie de manipulação que reforça o poder que o homem acredita ter, e por isso ele faz com frequência. Amar também é responsabilidade.
Os homens estão dispostos a se responsabilizar pelo afeto de forma gradativa? Sabendo que a construção da autoestima é muito mais rápida e fácil quando a única coisa que lhe é responsabilidade sua é você, por isso o ego e as facetas masculinas são tão fáceis de ser alcançadas.
Com isso concluo que a culpa construída em cima da mulher que resolve cuidar-se antes dos outros é mais que interna, é social e gradativa. A mulher que se percebe como ser humano merecedor de praticar seu próprio amor ser projeções é julgada como egoísta e com isso se auto julga como ausente em suas relações, amar é antes de tudo um ato de coragem, sejamos corajosas para amarmos a nós mesmas e depois nos amarmos, de forma responsável e igualitária.
** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.