Os outros

Reconhecer o privilégio branco e enfrentá-lo como elemento de perpetuação de desigualdades é fundamental para transformarmos o Brasil numa nação justa

O que caracteriza um movimento identitário é a negação de princípios universais somada à afirmação de um grupo de identidade como essencialmente diferente dos “outros” e com direitos “exclusivos”.

Nesse sentido, há séculos as relações sociais giram em torno do que pode ser denominado de “política identitária branca”. Os “outros” são o oposto do branco, como conceituou a escritora e psicóloga portuguesa Grada Kilomba.

No entanto, o termo identitarismo é bastante utilizado como argumento para criticar a defesa de garantias e direitos aos negros, aos indígenas, aos quilombolas.

Mas se defender os direitos das chamadas “minorias” é ser identitário, o que dizer da reação dos brancos que não se conformam em partilhar sequer uma fração das inúmeras vantagens asseguradas em razão da branquitude?

Em entrevista à Folha, o ex-ator global Thiago Fragoso queixar-se da dificuldade dos homens hétero, brancos, de olhos claros como ele para conseguir papéis na TV. “Entrou um, não pode mais (…). Estamos vendo esse questionamento por causa da mudança de status quo. Tenho uma chance por novela.”

De fato, nunca se viu tantas pessoas negras trabalhando diante das câmeras na televisão brasileira. Mas a representação proporcional do Brasil da vida real (56% negro, pelo IBGE) na mídia ainda está muito distante de ocorrer.

Foram necessários 45 anos de produção na teledramaturgia nacional para que se visse a primeira protagonista negra, interpretada pela atriz Taís Araújo na novela Xica da Silva, em 1996.

A atriz Taís Araújo caracterizada como Xica da Silva nos estúdios da Rede Manchete, em 1996 – Alexandre Campbell/Folhapress

Mais de um quarto de século depois, em 2022, apenas 14% dos personagens principais e secundários das telenovelas inéditas produzidas pelas redes Globo e Record eram negros, segundo levantamento da revista Veja.

Reconhecer o privilégio branco e enfrentá-lo como elemento de perpetuação de desigualdades é fundamental para transformarmos o Brasil numa nação justa, igualitária e livre da pecha de “identitário” atribuída a quem luta por justiça social.

Se está difícil para o homem branco, hétero, cis e de olhos azuis, é bom deixar claro que sempre foi —e é— ainda mais difícil para todos “os outros”.

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