Sou católica desde criança, fui levada para Igreja por minha avó materna após ela ter visto sua filha ser assassinada a mando do ex-marido. Na fé minha avó foi encontrando formas de seguir, e eu, crescendo ao lado de adolescentes e jovens que me ajudaram em momentos bem difíceis da minha vida.
A paróquia que frequentei não tinha posicionamentos críticos e questionadores. O padre, um ex-capelão, era inclusive conhecido por suas broncas. Lá eu não tive acesso ao que era a Pastoral da Juventude e tão pouco a Teologia da Libertação, ações que somente fui conhecer após minha entrada na faculdade e circulação em outros espaços. No entanto, foi nesse espaço da Igreja que aprendi sobre respeito ao próximo, solidariedade, amor, fraternidade.
O tempo passou, fiz faculdade de História, me afastei, senti falta, voltei. Nesse meu retorno pude enfim conhecer pessoas que praticam uma Igreja Católica que acredito. Que vivenciam uma fé que não se cala frente as injustiças, mártires históricos e cotidianos. Nesse caminhar conheci o Padre Gegê, um padre preto que em suas pregações e estudos acadêmicos defende o respeito a todas as religiões, valorizando nossa matriz afro-brasileira e falando abertamente sobre o racismo.
Recentemente, em seu processo de recuperação do COVID 19, padre Gegê denunciou o racismo na Igreja Católica num importante texto em suas redes sociais, que posteriormente foi publicado em alguns portais . Usando frases como: “Quando um padre negro não consegue respirar” e “quando o chicote estala na batina”, Gegê escancara o que define como “racismo eclesiástico, isto é, o racismo que é gestado e estruturado na ambiência hierárquica da Igreja Católica”.
Ao levantar-se contra uma estrutura secular de poder, Gegê não ficou impune. Recebeu calúnias de outros clérigos e foi chamado a explicar-se nas instâncias cabíveis. Nada disso o impediu de seguir em sua luta por uma Igreja antirracista. Utopia? Talvez! Mas compartilho desta utopia com ele, principalmente quando lembro de tantas ações pelo Brasil desenvolvidas pela Pastoral Afro, ou mesmo pela Pastoral Carcerária que lida com uma população majoritariamente negra.
Como uma mulher, católica e negra eu também sinto este chicote, eu também tenho dificuldades para respirar. Padre Gegê não está só! Retomando a fé em Nossa Senhora Aparecida que me foi ensinada por minha avó, entoo a música criada pela Pastoral Afro “Negra Mariama chama pra cantar, Que Deus uniu os fracos pra se libertar, E derrubou dos tronos os latifundiários, Que escravizavam pra se regalar”. Que possamos derrubar esses tronos, que possamos enegrecer o Cristo para aqueles que professam a fé em Cristo. Que possamos praticar uma fé antirracista.
Num país onde a população preta é pobre é executada, uma fé que silencia é uma fé que tem sangue nas mãos. Gegê em seu texto chama a Igreja e seus fiéis a reflexão: a que serve sua fé?
Leia Também:
Racismo e a Igreja Evangélica: o que dizer sobre os fiéis pobres “encardidos”, “meio sujos”, ” moreninhos” e “queimados de sol”?