A pauta racial no Brasil não é uma pauta fragmentária ou minoritária

A pauta racial no Brasil não é uma pauta fragmentária ou minoritária. Afirmar algo neste sentido é o apagamento descarado de 328 anos de escravidão e de 52% da população deste país. Os negros no Brasil não são uma minoria real, mas uma minoria política. Ou seja, são grupos que, a despeito da majoritariedade numérica, estão menos representados em espaços de poder na hierarquia social.

Por Juliana Borges Do Justificando

Não é o Movimento Negro que “deve refletir” pelo “bem comum” ou por “pautas gerais”. As pautas da branquitude é que não são gerais. E está mais do que na hora da esquerda entender isto. Não adianta discutir Reforma Política, Democratização da Mídia, Política Econômica e Reforma Tributária sem garantir o recorte étnico-racial ou há intencionalidade para que continuem diminuindo feminicídio de mulheres brancas e aumentando, em 50%, o de mulheres negras. Poderíamos pensar no seguinte exemplo: as mulheres que são incluídas, por um lado, pelo bolsa-família, pelas cotas, são as mulheres assassinadas e encarceradas (aumento de mais de 400% em 10 anos) de outro. Não há condição de disputa política à esquerda sem levar em conta a disputa simbólica.

Como já disse Angela Davis, “raça informa classe”. E isto significa que sempre que o Movimento e Ativistas negros falam em raça estão, necessariamente neste país, falando de classe. E adicionaríamos gênero.

“A pobreza tem raça e gênero não apenas aqui, mas no mundo.

Um outro bom exemplo é de quando falamos da urgência do debate da Segurança Pública. Estamos falando em mortes de corpos negros e estamos falando de uma agenda neoliberal que avança no mundo, nos moldes da Política carcerária norte-americana. Um modelo que tortura, explora e mata corpos negros majoritariamente. Tortura, explora e mata pela permissão racista da sociedade que, pelo Estado Policial do medo –  e mais a frente podemos falar sobre Malcolm X, que teorizou sobre isso – , e pelo discurso no campo simbólico de que negros são perigosos, violenta os corpos de descendentes de escravizados. A pauta da privatização do Sistema Penitenciário é um braço do Capitalismo Transnacional no avanço de poder sobre os corpos e eles são corpos com cor. Negros. Mão de obra barata, precarizada e que a sociedade entende como escória.

Se não há a mínima preocupação com estas mortes/assassinatos, em números maiores do que em países em guerra, e há o pensamento de que lutar contra uma política de Estado genocida é uma pauta “fragmentária”, “que divide o bem comum”, ao menos seria necessária a reflexão para entender a lógica neoliberal imperada pelas novas nuances do capitalismo no avanço sobre corpos privados de liberdade.

Do contrário, temos uma esquerda “para inglês ver”. Como dizia Malcolm X, mais uma vez, se um branco não se importa com as desigualdades fruto do racismo arraigado nas sociedades com passado escravagista, então podemos dizer que estes brancos são racistas. Os principais atores e atrizes sociais hoje em dia são jovens, mulheres e negros. Mobilizam-se por uma agenda de direitos, mas que quer ver-se representada nas construções cotidianas de seus interlocutores. Seguir insistindo em “homem” como sinônimo de “humanidade” é um equívoco. Que cansa. Para não dizer coisa pior.

Juliana Borges é pesquisadora em Antropologia na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, onde cursa Sociologia e Política. Foi Secretária Adjunta de Políticas para as Mulheres da Prefeitura de São Paulo (2013).

 

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