Inspirados pelo movimento que irrompeu nos EUA contra a violência policial, milhares de jovens negros e negras saem às ruas, em São Paulo, protestando contra seu maior algoz, a Polícia Militar
Por Igor Carvalho | Fotos: Mídia NINJA
Quarenta e cinco movimentos sociais e entidades convocaram o ato “Ferguson é aqui”, que faz alusão ao assassinato de Michael Brown na cidade de Ferguson, nos EUA, por Darren Wilson, policial branco que não será julgado pelo crime. A luta contra o racismo institucional das policias se internacionalizou e chegou ao Brasil, onde não é novidade a letalidade policial e nem os protestos de rua contra a violência do Estado.
Na última quinta-feira (18), aproximadamente duas mil pessoas, segundo os organizadores (a PM não divulgou sua estimativa), marcharam contra a violência policial. O ato, que saiu às 17h da praça da República, região central, terminou às 20h30, na frente da sede da Secretaria de Segurança Pública (SSP).
A violência policial, em São Paulo, vitima três vezes mais negros do que brancos, segundo estudo realizado pelo Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
De acordo com o levantamento, apresentado em março deste ano, de 2009 a 2011, a Polícia Militar assassinou 823 pessoas. Desse total, negros correspondem a 61%. A maior parte das vítimas era do sexo masculino e tinha entre 20 e 24 anos. Os assassinatos foram cometidos, em 79% dos casos analisados pelo grupo, por policiais brancos.
No último dia 4 de dezembro, a Anistia Internacional apresentou uma pesquisa que justifica o uso da palavra “genocídio” pelos movimentos sociais. De acordo com a entidade, em 2012, 56 mil pessoas foram assassinadas no Brasil, sendo 30 mil jovens, dentre os quais 77% são negros.
De Ferguson para São Paulo, semelhanças no modus operandi policial e diferença na reação nas ruas. “Nos inspira a mobilização nos EUA. A morte do Michael Brown não é encarada como algo normal. O centro do capitalismo prova que não consegue dar conta do fim do racismo. Em um paralelo com o Brasil, o país que mais mata pessoas, até que ponto a morte nos comove?”, pergunta Juninho Jr., do Círculo Palmarino.
Embora as estatísticas apontem o homem negro como principal alvo dos homicídios no país, outros tipos de violência oprimem a mulher. “Se olharmos para a história do Brasil, as mulheres são as maiores vítimas. Sofremos violência psicológica, física, sexual e moral, constantemente. A violência é cotidiana”, afirma Sara Mendes Siqueira, da Marcha Mundial das Mulheres.
A manifestação, formada majoritariamente por jovens, se inspirou nos protestos ocorridos nos EUA, após as mortes de Michael Brown e Eric Garner. Os algozes dos dois jovens negros assassinados passaram incólumes pela Justiça americana, o que desencadeou uma série de protestos no país.
Eric Garner, antes de morrer, alertou os policiais que o enforcavam: “eu não consigo respirar”. Lembrando a última frase dita por ele, os manifestantes brasileiros repetiram o gesto que norte-americanos e ingleses têm feito e se deitaram no chão com as mãos no pescoço, simulando asfixia.
“Queríamos que os jovens se mobilizassem aqui, como tem acontecido lá [EUA]. O que acontece nos EUA, acontece aqui no Brasil há muito tempo, também. No Brasil, desde os anos 90, quando encontramos o Hip Hop, aprendemos a nos posicionar frente à violência policial. Agora, precisamos ocupar as ruas”, afirmou Ananda Felisberto, do Levante Popular da Juventude.
Negros e negras, mesmo não jovens, ainda são alcançados pela violência policial em seus espaços de luta. Quem afirma é Jussara Basso, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que também esteve incorporado à manifestação “Ferguson é aqui”. Violência na periferia. Isso diz muito sobre onde você mora. Quem é pobre, nesses espaços, é ‘bandido’ para a PM. Os ricos estão em seus bairros, protegidos pela sua segurança particular, a PM. A escravidão acabou e não podemos continuar sendo alvos”, protestou.
Gilvan Máximo, do “Nós da Sul”, gritava ao microfone, corroborando a acusação de Jussara e sendo encarado por quatro policiais que guardavam a frente da Secretaria de Segurança Pública, instransponível para o povo, fisicamente e politicamente . “A PM não pede pra entrar em ocupação, é na porrada. Lá, ela faz o papel que o sistema lhe dá, que é o de exterminar. O governo não nos dá nem água. Vá ver se falta água nos Jardins”, afirmou o manifestante, lembrando a recente crise hídrica enfrentada pelo estado.
SSP
Os manifestantes se mantiveram na frente da SSP durante duas horas, exigindo um encontro com o ainda secretário da pasta, Fernando Grella Vieira. Foi em vão. Nenhum representante da secretaria desceu para dialogar com os ativistas. Mais uma vez, assim como acontece nas periferias, o único braço do Estado que chegou até os militantes foi o braço armado. A Tropa de Braço, bem como alguns agentes da PM, vigiaram os dois mil negros e negras do lado de fora do prédio.
Paralelamente ao protesto, em uma reunião com o Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa, garantiu-se uma promessa de que representantes dos movimentos vão se reunir com o novo secretário da SSP, Alexandre de Moraes, no começo de 2015.
O Procurador-Geral também prometeu melhorias no controle externo das ações policiais ilegais, bem como estudar uma política de reparação às famílias que perderam um parente para a violência policial.
Foto de capa: Igor Carvalho
Fonte: Spresso SP