Políticos, imprensa e polícias, como conseguem dormir?

Li, há tempos atrás, o livro da médica Ana Beatriz Barbosa e Silva, “Mentes Perigosas”. Nele a autora dedica um trecho aos pais que suspeitam que seus filhos são potenciais psicopatas. Ela elenca 19 características que servem de indício para um possível quadro de psicopatia. A insensibilidade e o cinismo de certos políticos, das mídias e da polícia em relação à violência permanente dirigida a negros e pobres em todo país me fez lembrar essa leitura. Como conseguem dormir? Não se sentem mal? Não sentem culpa? São psicopatas mesmo? Ou pior, são racionalmente racistas e opressores?

Foto: Gabriel Brito/Correio da Cidadania

Por Douglas Belchior no 

O massacre promovido pela PM de Salvador que resultou na morte de 12 jovens e negros em uma só incursão, ganhou notoriedade a partir da infeliz – e consciente – declaração do governador petista Rui Costa que, em defesa da ação, comparou o policial a um artilheiro diante do gol !?!

Desgraçadamente emblemática, a ação da PM baiana é só mais uma, dentre tantas que já vivenciamos e pior, ao que tudo indica, não será a última. Mas sobre ela:

Se é verdade que houve tiroteio – versão da PM -, o que dizer da desproporção no resultado: Um policial atingido de raspão de um lado e, do outro, 12 mortos?

E o que dizer sobre as marcas de tortura nos corpos dos mortos? Braços quebrados, olhos afundados, tiros nas costas e na nuca? Porque ignorar o testemunho de moradores que presenciaram a cena e desmentem a versão oficial?

A PM chegou ao local a mando de quem? Ou os policiais não tem um comando? E quem comanda o comandante? E quem ou o quê apóia a política de quem está acima do comandante?

Ora, sabemos que a decisão fundamental é aquela da “ordem política”. Há uma política institucional do Estado que reproduz uma prática de ação policial em todo país. Há sim uma verdade que precisa ser reconhecida: são os gestores públicos, parlamentares e especialmente prefeitos, governadores e a presidenta, responsáveis pela política de segurança pública que, por sua vez, produz uma matança deliberada de negros e pobres todos os dias em todo o país. O assassinato em massa, inclusive o massacre do Cabula em Salvador, choca pela forma como se deu, mas é considerada “exceção” e/ou “ação enérgica, mas necessária”, já que “todos eram bandidos”. No dia a dia a polícia mata aos montes e grande mídia cuida de construir apoio popular para tal.

Das 19 características citadas no trecho do livro a que me refiro, impossível não imaginar ao menos parte delas como traço de personalidade presente na maioria absoluta daqueles que ocupam postos de comando em nosso país ou que dirigem instituições importantes tal como as grandes redes de comunicação e as polícias. Ou será exagero meu? Vejam:

Mentiras freqüentes (as vezes o tempo todo);

Impulsividade e irresponsabilidade;

Tendência a culpar os outros por erros cometidos por si mesmos;

Preocupação excessiva com seus próprios interesses;

Insensibilidade ou frieza emocional;

Ausência de culpa ou remorso;

Falta de empatia ou preocupação com os sentimentos alheios;

Falta de constrangimento ou vergonha quando pegos mentindo ou em flagrante;

Participação em fraudes, roubos, assaltos.

O número de homicídios no país é superior ao de guerras; O número de assassinatos promovidos por oficiais do Estado são incompatíveis com qualquer experiência democrática; Corpos aos montes, prisões e torturas; Denúncias permanentes por parte de movimentos sociais, órgãos de pesquisa oficiais e até de organismos internacionais. Mas nada, absolutamente nada tem sido capaz de deter o caráter genocida do Estado e de seus órgãos de repressão.

Segundo pesquisas mais recentes algo em torno de 82 jovens entre 16 e 29 anos são assassinados a cada 24 horas. Entre eles, 93% são do sexo masculino e 77% são negros. A polícia, que deveria proteger garantir e preservar a vida, é promotora da morte e age seletivamente, quando não prende, mata três vezes mais negros que brancos.

Desconsiderar a marca da psicopatia na maneira como “os poderosos” lidam com a realidade da vida cotidiana de milhões de brasileiros negros e pobres nos levaria a considerar então, que agem de maneira consciente e racional.

De novo: Sendo eles – governantes, grande mídia e polícias – responsáveis pela política que promove a morte logo, assassinos o são. Conscientes ou não. E o que isso importa ao morto e a família do morto?

Ou o louco sou eu?

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