Por que nenhum ator negro brasileiro jamais fará boicote à Globo. Por Marcos Sacramento

Desde a estreia da primeira telenovela da TV Globo, em 1965, é possível contar nos dedos de uma só mão as produções com protagonistas negros. Na recente “I Love Paraisópolis”, ambientada em uma comunidade onde 70% dos moradores se declaram negros, só seis dos 52 atores do elenco tinham aquele fenótipo.

Por Marcos Sacramento Do DCM

Bastam uns poucos minutos em frente à TV para perceber a distância entre o perfil predominante nas novelas, com a maioria dos personagens de pele clara, e o perfil étnico brasileiro, onde mais da metade da população se declara negra.

“Segundo o censo realizado pelo IBGE em 2010, 50,7% da população do País é preta ou parda. No entanto, em pleno ano de 2016, essa condição demográfica majoritária é praticamente invisível nas produções televisivas e nas peças publicitárias que circulam na TV e nos veículos da mídia impressa” escreveu a atriz Zezé Motta no Facebook, em um desabafo na época da morte do ator Antônio Pompeu.

De acordo com Zezé Motta, o ator de 62 anos, com quem contracenou no filme “Quilombo”, andava deprimido por falta de oportunidades de trabalho.

Esta discrepância, que pinta o Brasil como um país branco para quem o vê pelas telas das TV’s, oferece farta munição para que os atores negros promovam um protesto semelhante ao dos colegas norte-americanos, que pretendem boicotar o Oscar por causa da ausência negros entre os indicados ao Oscar de melhor ator e atriz.

A pergunta é quais deles teriam coragem de assumir tal postura. O primeiro entrave é a escassez de representantes negros na teledramaturgia e a consequente invisibilidade, como Zezé Motta citou. Um boicote promovido por invisíveis tem grandes chances de ser inócuo.

Outra coisa que inibe a promoção de um boicote é o risco do ator politizado perder oportunidades de trabalho e cair no temido ostracismo.

De certa forma, a escassez de negros na teledramaturgia seria ao mesmo tempo o motivo e o empecilho para uma manifestação parecida com a que Spike Lee, Jada Pinkett Smith e Will Smith estão puxando.

Para complicar ainda mais, quem poderia aproveitar a polêmica do Oscar para levantar o debate a respeito do racismo na teledramaturgia brasileira prefere jogar panos quentes na discussão.

Em vez de se espelhar em Spike Lee e companhia, prefere seguir a filosofia de Morgan Freeman, para quem a solução para acabar com o racismo é deixando de falar nele.

Foi o que o veterano ator Milton Gonçalves fez durante uma entrevista à Rádio Gaúcha, do grupo RBS. Para ele, a Academia não é racista e se nenhum negro foi indicado neste ano foi porque nenhum deles fez um bom filme.

Durante a entrevista descontraída de cerca de 23 minutos, os apresentadores fazem uma brincadeira com a forma com que o ator se refere à renda que tem, chamando de “dinheirinho”.

Ao falar do seu salário, Gonçalves deixa escapar que às vezes atua como uma espécie de embaixador da Rede Globo.

“Graças a Deus eu tenho um interesse salário da Globo, estou lá há 52 anos, não sou o melhor salário mas sou fundador da empresa. Às vezes, quando há necessidade de representar a empresa eu sou chamado para isso. E não é só no EUA, é Coréia, Japão, é Itália, Portugal, eu vou lá fazendo parte daquele grupo que representa a Rede Globo de Televisão”, explicou.

+ sobre o tema

“Desigualdade tem relação com passado escravocrata”, diz vencedor do Eisner

Quadrinista brasileiro ganha prêmio internacional com obra “Cumbe”, sobre...

No Complexo do Alemão, Páscoa tem morte sem ressurreição

Por Douglas Belchior Do Negro Belchior Quinta-feira santa. Complexo do...

Compromisso com a segurança

A negligência com a segurança pública levou à morte de cerca...

para lembrar

Sociedade está se embrutecendo, diz Atila Roque, diretor da Anistia Internacional

  Sociedade está se embrutecendo, diz Atila Roque, diretor da...

Jovens alemães não sabem o que foi o Holocausto

  A 27 de janeiro, o Mundo assinala...

Você tem medo de que?

Eu tenho medo durante quase todo o tempo. Medo...

Ivanir dos Santos critica abordagem da questão racial na campanha

O professor Ivanir Augusto dos Santos, coordenador do Centro...
spot_imgspot_img

Quando Tony Tornado cerra o punho e levanta o braço, a luta dos afrodescendentes se fortalece

Tony Tornado adentrou o palco do Festival Negritudes e, antes de dizer qualquer palavra, ao lado do filho, Lincoln, ergueu o punho direito. O...

‘Redução de homicídios no Brasil não elimina racismo estrutural’, afirma coordenador de Fórum de Segurança

Entre 2013 e 2023, o Brasil teve uma queda de 20,3% no número de homicídios, de acordo com o Atlas da Violência, produzido pelo Fórum...

‘Não aguentava mais a escola’, diz mãe de aluna internada após racismo

A mãe da aluna de 15 anos que foi encontrada desacordada no Colégio Mackenzie (SP), contou ao UOL que a filha segue internada em um hospital psiquiátrico...
-+=
Geledés Instituto da Mulher Negra
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.