Por que os homens não se consideram machistas e os brancos não se consideram racistas?

Pesquisas mostram reconhecimento de racismo e machismo na sociedade, mas pessoas não se reconhecem machistas e racistas

Por Luka no OperaMundi

O Instituto Avon encomendou ao Instituto Locomotiva a pesquisa “O papel dos homens na desconstrução do machismo”. Foram entrevistadas cerca de 1.800 pessoas, entre elas 900 homens cis, mas não foi especificada a orientação sexual destas pessoas. De acordo com a pesquisa, 89% dos entrevistados acredita que as mulheres negras sofrem mais que as brancas e 88% acreditam que a sociedade brasileira é machista. Porém, apenas 24% dos entrevistados se consideram machistas.

Em 2014, o Instituto Data Popular divulgou uma pesquisa preliminar em que 92% dos entrevistados considerava o Brasil um país racista. Porém, apenas 1,3% dos entrevistados se consideravam racistas.

Estes dados revelam questões importantes. A primeira é a compreensão que machismo e racismo existem em nosso país e que são questões a serem enfrentadas e desconstruídas. A segunda é o fato de que mesmo identificando a existência do problema, as pessoas não se consideram perpetuadores do machismo e do racismo. Isso precisa ser levado em conta, principalmente quando nos defrontamos com os debates sobre a importância do combate ao racismo e ao machismo na sociedade.

É difícil se entender como parte de um sistema que garante privilégios para alguns por conta do seu gênero e sua raça e oprime outros para que estes privilégios sejam mantidos. Pior: é difícil abrir mão destes privilégios e efetivar um avanço nas lutas contra o machismo e o racismo. É melhor responsabilizar o oprimido por sua não atuação. 44% dos ouvidos pelo Instituto Locomotiva não se engajariam na luta contra o machismo se fossem chamados de machistas.

Encarar que parte do que é a estrutura de opressão social também passa por nós não é algo muito simples, ainda mais em um país que, mesmo tendo a Lei Maria da Penha e a Lei de criminalização do racismo, ainda tem altos índices de violência contra mulheres e de genocídio da juventude negra. Fechar os olhos é sempre mais simples do que encarar estas questões de forma dura e coerente.

Há uma outra questão colocada aí também, para mim.

Tem relação com projeto político, pois para a direita a questão de raça e gênero está bem resolvida em suas elaborações econômicas e sociais. A diretiva do mérito, aquele discurso sedutor do “quem acredita sempre alcança”. Na raiz deste discurso está a negação da separação de classes, racismo e machismo. Ou seja, o problema de violências racistas ou machistas são problemas dos indivíduos – os quais não eu – e não da forma como a sociedade se organiza para diferenciar homens e mulheres, brancos e negros ou patrões e trabalhadores. Explora-se de forma diferente utilizando as estruturas de diferenciação que aí estão colocadas e é vendido que com esforço e boa vontade é possível mudar de vida. Raça e gênero são questões resolvidas no sistema de exploração de classes para a direita e, para eles, mudar isso estruturalmente, mesmo que aos poucos, é um ônus muito grande.

Já para a esquerda o problema, ao meu ver, é o fato da perda de privilégio e espaço público. Mera capitulação ao que há de mais cruel no programa político burguês e da direita. Se coloca a questão de gênero e raça como um problema político menor, e isso faz parte da formação política de diversas figuras importantes da esquerda brasileira. Enfrentar que quem se reivindica de esquerda faz parte do processo de manutenção do racismo e do machismo não é algo simples. É praticamente assinar uma capitulação à direita, pelo simples fato de não querer perder espaços de privilégio ou parar de olhar para o próprio umbigo.

Quando falo que homens e brancos encararem que machismo e racismo é problema deles também não quer dizer em nenhum momento que os mesmos devem assumir protagonismo das nossas lutas e movimento, mas sim abrir mão de seus privilégios e darem espaços pra nós nos locais que são vistos como gerais, importantes e universais e apenas são ocupados por homens, cis, brancos, héteros e ricos.

Tanto a pesquisa apresentada hoje pelo Instituto Avon quanto a que foi divulgada pelo Instituto Data Popular em 2014 revelam uma dificuldade gigante de muitos em se ver como parte do problema. Só demonstrando o quanto é necessário reafirmar que a questão do racismo não é apenas um problema da negritude e de indígenas, mas também de quem perpetua o racismo – seja individualmente ou institucionalmente. O mesmo no que se refere ao machismo, este não é um problema só das mulheres, mas dos homens também. Faz parte da perpetuação de uma forma de organizar a sociedade que articula as diferenças de gênero, raça e classe. E que, nos casos de gênero e raça, chegam a matar.

Enquanto os homens ou os brancos não se encararem como parte de um sistema de opressão articulado com a exploração capitalista e de classe continuaremos a trilhar erros similares. Traçar caminhos fáceis e não dar conta dos problemas de forma conjunta, apenas perpetuando uma forma de organização societária que exclui, oprime e mata.

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