Porto Alegre terá 1º museu de Hip Hop do país: ‘A negritude no RS sempre foi de vanguarda’

O Museu será uma entidade sem fins lucrativos e tem previsão de inauguração para 2022

Em breve Porto Alegre terá entre suas atrações o primeiro Museu da Cultura Hip Hop da América Latina. O futuro museu ocupará o espaço da Escola Oswaldo Aranha, na Vila Ipiranga, fechada em 2018 pelo governo do Estado, que alegou queda no número de matrículas nesta e em outras instituições. A inspiração para o novo espaço cultural vem do Museu Universal do Hip Hop de Nova York, que está sendo construído no distrito do Bronx.

O projeto Museu do Hip Hop RS foi idealizado em 2018 pela Associação da Cultura Hip Hop de Esteio (A.C.H.E), passando a ser articulado por dezenas de lideranças do movimento em todo o Estado. Fundada em 2011 com o intuito de disseminar o hip hop, a associação inaugurou em 2017 a Casa da Cultura Hip Hop de Esteio, desenvolvendo atividades junto à comunidade.

O primeiro museu do hip hop brasileiro ocupará uma área de 3,8 mil m² que, embora estivesse cedida ao Estado, pertence ao município de Porto Alegre. O termo de permissão de uso foi assinado no último dia 28 de agosto. “Esse imóvel, na medida que ele vem para uma entidade e cultura hip hop, tem a possibilidade de ter novamente educação presente dentro do seu ambiente”, explica o coordenador de Autogestão e Sustentabilidade da Associação da Cultura Hip Hop, Rafael Diogo dos Santos, conhecido como Rafa Rafuagi. “O hip hop atravessa diversas áreas, inclusive a educação”, completa

Porto Alegre, RS – 19/04/2021: Visita ao imóvel do município que deverá sediar o Museu do Hip Hop. (Foto: Divulgação/PMPA)

Fruto de bailes black, o hip hop no Rio Grande do Sul surge na década de 80 e segue atravessando gerações. Segundo Rafuagi, já havia uma preocupação para que houvesse um lugar de valorização do patrimônio, acervo e memória da cultura hip hop no Estado. “Infelizmente, as dificuldades eram inúmeras. A cultura hip hop aqui no Rio Grande do Sul nasce em um contexto de ditadura militar e, mesmo após a Constituição, o hip hop ainda era vítima da violência policial e do racismo”, explica.

O museu já tem suas áreas de atuação e espaços destinados ao público definidos. Terá uma área expositiva, com experiências sensoriais, tecnológicas, interativas e dinâmicas; uma área de apoio e investimento para dançarinos de break – que pode inclusive incentivá-los a estarem presentes nas Olimpíadas de Paris em 2024, onde a modalidade irá estrear -; área de lazer e convivência; área de eventos; área de distribuição de lanches; e uma área de oficinas de formação e capacitação. “A gente espera que na abertura do museu possamos alcançar um número entre 40 e 50 postos de trabalho direto e mais 50 de trabalho indireto e atrelado ao museu”, diz Rafuagi.

Os elementos do Hip Hop

Carla Xavier (Foto: Arquivo pessoal)

Carla Xavier, conhecida como Carla Zhammp, 47, é MC da Capital. Ela conta que o rap é o elemento da comunicação verbal no hip hop. Mulher negra, ela percebeu na rima a potencialidade de sua voz. “O rap é o axé da fala”, diz. “Me identifiquei com o rap pois senti a importância da minha atuação enquanto mulher de voz ativa. Me senti responsável por contribuir com rimas para formar pensamentos e ajudar as pessoas a terem reflexões críticas”, explica.

A MC se aproximou da cultura hip hop ainda na adolescência a partir da cultura black. “Ao ir aos bailes, como o Jara Musi Som, comecei nos concursos de dança e logo veio a vontade de compor rap”, diz. “Nesse período, surgiu a Zhammp, onde me junto à Roze Rodrigues e formamos a nossa dupla de rap feminino.”

Carla destaca a importância da construção do Museu do Hip Hop para a conjuntura atual. “Nosso país discute e vive momentos de disputas de opinião e polarização das ideias. A nossa cultura tem um papel balizador no atual processo político, artístico, educacional e cultural”, diz. “O museu é potente demais agora e será ainda mais para os próximos anos, sabemos da nossa responsabilidade”.

Para ela, o local e a retomada de encontros dos artistas vai reviver histórias e referências que contribuíram e irão contribuir para a construção e formação de crianças e adolescentes através das oficinas e projetos desenvolvidos nas comunidades. “O próprio museu promoverá muitos empregos diretos e indiretos. Temos o nosso jeito de pensar políticas públicas na educação e cultura”, afirma.

William FootWork (Foto: Bruna de Lima Ferreira)

Dançarino de break há 22 anos, William Sarate, 34, conhecido como William FootWork Squad, afirma que o break é um dos alicerces mais fortes da cultura hip hop. “O breaking, para mim, é um dos elementos primordiais que foi mais consistente em preservar a cultura hip hop original”, defende. “Os elementos separados não formam o hip hop, o hip hop é o sentimento de estar envolvido com DJS, grafite e os MCs”, diz ele.

William era skatista em Bento Gonçalves, na serra gaúcha, e se deparou com a dança ao frequentar praças públicas onde ocorriam os eventos de hip hop. “O hip hop faz essa conexão com as pessoas por estar presente nas praças e na quebrada”, diz.

Para o dançarino, o museu vem como um método de preservar a história de pessoas que tiveram grande importância e trilharam um caminho que está sendo seguido hoje com a construção do museu. “Que o museu possa visibilizar pessoas que hoje não têm todo o respaldo que deveriam ter, isso tudo é um resgate da nossa identidade, política e da nossa história.”

William ressalta o exemplo no Bronx, em Nova York, sobre o papel social que o hip hop tem na sociedade. “O hip hop fez o que as políticas públicas não fizeram. Eles cumpriram o papel de transformar um bairro e através da cultura hip hop possibilitaram novas perspectivas e valores”, diz.

Vagner Borges (Foto: Jair Brown)

Vagner Borges, 45, é DJ desde 1988 e afirma que o Museu do Hip Hop vem para resgatar a cultura negra que atravessa o Estado há décadas. “A cultura negra sempre foi ofuscada. O museu vai resgatar pessoas que não estão mais aqui e que construíram tudo isso anos atrás”, acredita. DJ é o elemento responsável pelas mixagens e scratches realizados no hip hop, é a pessoa que comanda o som, e é muito importante para o ritmo do rap.

DJ Vagner ressalta que o museu busca recuperar, além dos conhecimentos sobre os elementos, surgimento e dificuldades do hip hop, mas também será uma perspectiva para as novas gerações do potencial que a arte tem no Brasil. “É preciso entender que há um apelo social e cultural acima de tudo e criar perspectivas de vida através da cultura e arte”, diz.

O quarto elemento do hip hop é o grafite, que no movimento aparece como uma forma de expressar sentimentos e vivências das ruas através da arte. Sabrina dos Santos Brum, conhecida no grafite como Bina, tem 37 anos e está há 21 envolvida com o hip hop.

“Depois de muito vivenciar as rodas de breaking e shows de rap comecei a me identificar com grafite, pois sempre gostei de desenhar”, conta. “O grafite me levou para muitos espaços além da pintura de rua.” Após se tornar grafiteira, Bina começou a dar oficinas e virou arte educadora e educadora social. “Passei a ministrar atividades com jovens de projetos sociais e escolas das redes pública e privada, mas a paixão pela gurizada dos projetos sociais me fez ver o quanto a arte pode mudar a realidade das crianças em vulnerabilidade social”, afirma.

Bina (Foto: Fábio Eros)

Para ela, o Museu do Hip Hop será um lugar para cultivar a cultura e que levará a sociedade a ter outra visão sobre a essência do hip hop. “Vai ser uma sementinha que certamente virará uma árvore gigantesca”, diz. “O museu mostrará às nossas crianças e jovens a importância de se expressar através da arte”.

Rafuagi acredita ainda que o museu trará outro benefício para o Estado e para os jovens, que é o aquilombamento. “Por viver em um estado mais branco, um ambiente onde possamos nos aquilombar novamente é extremamente importante”, diz. “Estamos fazendo isso para mostrar que a negritude no Rio Grande do Sul sempre foi de vanguarda e ativa. Os movimentos das culturas populares seguem vivos.”

O MC ressalta a importância de outros estados desenvolverem e protagonizarem ações como essa. “Nós temos uma lógica cultural histórica de que tudo nascia no eixo São Paulo e Rio de Janeiro. Dessa vez, nós estamos sendo pioneiros no Rio Grande do Sul, ou seja, os outros estados vão pegar um pouco da expertise do que está sendo feito aqui para então desenvolver seus museus estaduais e se aproximar de um museu nacional”, afirma.

O museu está apto para a capacitação de recursos com abatimento fiscal, ICMS, imposto de renda, leis de incentivo e recursos diretos de empresas. “Essa é uma possibilidade que as empresas têm de construir pontes para o futuro e fortalecer no presente quem vai cuidar dessas pessoas do amanhã”, diz Rafuagi.

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