Portões da universidade

Políticas que transpõem as barreiras financeiras ao ensino superior são necessárias, mas não são suficientes para corrigir desigualdades estruturais

“Nós queremos é que uma filha de uma empregada doméstica possa ser médica, possa ser dentista, possa ser engenheira. Nós não queremos uma sociedade dividida pelo berço que a pessoa nasceu.”

Quem acredita em promover igualdade de oportunidades concorda com essa fala, proferida pelo presidente Lula em inauguração de novas instalações da Unifesp no começo do mês. No vídeo publicado pela Educação, é possível ver jovens emocionadas, refletindo a potência de se ampliar o acesso ao ensino superior para a redução das desigualdades.

Mas, como de praxe nas redes sociais, os comentários do vídeo vão muito além de apenas exaltar a capacidade de Lula de cativar. Há centenas de pessoas cobrando informações sobre os editais do Prouni Fies, instrumentos necessários para viabilizar recursos financeiros para indivíduos realizarem uma graduação.

Parece que as reclamações não foram em vão. Na última quarta-feira (17), o edital para inscrições do Prouni foi publicado. Os estudantes terão um prazo de quatro dias para realizar as inscrições que começam na próxima terça-feira (23).

O Prouni (Programa Universidade para Todos) foi criado em 2004 e já beneficiou milhões de estudantes de baixa renda, por meio de bolsas de estudo integrais e parciais em instituições privadas de educação superior. Ao promover a inclusão de estudantes de diferentes origens socioeconômicas, o Prouni contribui para a diversidade nas universidades, o que enriquece o ambiente acadêmico. Avaliações do programa apontam efeitos positivos, com melhora na empregabilidade dos beneficiários, sem comprometer a qualidade do ensino.

Políticas como essa, que transpõem as barreiras financeiras ao ensino superior, são necessárias, mas não são suficientes para corrigir desigualdades estruturais que limitam o acesso de certos grupos. Para garantir que a filha da empregada chegue à faculdade, é preciso também considerar as barreiras à educação básica de qualidade, tecnológicas e à informação.

Estudantes de baixa renda muitas vezes não têm acesso a orientadores educacionais que os ajudem a entender o processo de inscrição para universidades e bolsas de estudo, além de não estarem cientes das oportunidades de bolsas, programas de apoio e auxílios disponíveis. As falhas de comunicação dificultam o alcance a todos que precisam.

Não deixar os estudantes no escuro de quando os editais serão publicados é importante para garantir a tão sonhada igualdade de oportunidades. Nas últimas décadas, os portões da universidade começaram a se abrir para públicos historicamente excluídos. Mas, para escancará-los, vamos precisar ir além de alocar orçamento para bolsas.


Priscilla Bacalhau – Doutora em economia, consultora de impacto social e pesquisadora do FGV EESP CLEAR, que auxilia os governos do Brasil e da África lusófona na agenda de monitoramento e avaliação de políticas

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