Estamos diante de mais uma eleição só que agora a nível municipal, e ainda que os tempos difíceis que viemos passando parecem não ter mais fim, é preciso termos um pouco de esperança neste momento. Esperançar no sentido freiriano da palavra, o quer dizer ir à luta, construir coletivamente possibilidades de um futuro melhor, e será no campo das disputas políticas que juntos iremos pavimentar o caminho em direção a esta realidade.
Apesar dos efeitos trágicos que uma pandemia tem nos submetido, os últimos anos no país tem sido de grandes ataques a democracia e aos direitos sociais, tão importantes para o desenvolvimento digno da sociedade civil, além das constantes violências contra minorias e do genocídio da população negra. Os ataques a estes direitos que foram conquistados por meio de muitas lutas, fazem parte da agenda neoliberal implantada por governos de direita que tem ocupado o poder.
E o que isso tem a ver com as novas disputas eleitorais? Absolutamente tudo. Se nossos representantes que ocupam o Estado defendem politicas anti-povo, nada mais urgente que retira-los de lá, e democraticamente elegermos novos representantes e passarmos então a participar ativamente das tomadas de decisões políticas, já que democracia não se limita ao direito de votar.
Se olharmos atentamente para o cenário político e para os indivíduos que ocupam aqueles espaços, veremos algo bastante curioso. Como é possível que as tomadas de decisões no país, fiquem restritas majoritariamente as decisões de pessoas do sexo masculino, brancas, de classe média e heteronormativas. É possível falar em representatividade diante destes fatos? Quais interesses estes indivíduos estariam mais propensos a defender?
Devemos contestar quais motivos contribuem para que a política seja ainda hoje uma instituição predominantemente masculina, e questionar como isto tem sido naturalizado socialmente, com o único objetivo de manter as mulheres afastadas destes locais. Se as mulheres quase não ocupam estes espaços, é porque os homens mantiveram as portas da política sempre fechadas para elas e é inaceitável que estes mesmos homens continuem legislando sobre corpos femininos. Por isso é fundamental aumentar seu acesso aos processos de decisão política, como estratégia de ampliação da nossa democracia.
Apesar da grande importância das mulheres na composição da nossa sociedade, sendo nos dias de hoje maioria absoluta da população, além de comporem a maior parte do eleitorado, as mesmas não chegam se quer a ocupar 13% de todos os cargos eletivos do país. Infelizmente quando pensamos na realidade das mulheres negras esta situação fica ainda mais difícil.
A conjuntura atual tem trazido com muita força a pauta sobre racismo no país, algo que temos insistido em adiar e que teremos de ter coragem para enfrenta-lo AGORA. Mais do que teorizar, este momento pede que ações concretas sejam colocadas em prática para barrarmos os efeitos nocivos que o racismo impõe a população negra. O genocídio do povo preto tem avançado diariamente em nossa sociedade através de diferentes técnicas de extermínio, mas não podemos mais naturalizar esta barbárie.
No que diz respeito as mulheres negras, estas são frequentemente submetidas as maiores violências imagináveis, e invariavelmente colocadas em posições de imobilidade com pouquíssimas chances de ascensão social ou de levarem uma vida minimamente digna. Estas mulheres têm ocupado aquele espaço que chamamos de “base da pirâmide social”, e a sociedade só verá mudanças realmente significativas, quando elas forem contempladas positivamente por políticas públicas que atendam suas necessidades especificas.
Vivemos uma complexa crise da representatividade negra que pode ser vista nas mais diferentes instancias sociais e a política tem sido uma delas. Certamente que uma das populações que vem sendo mais violentadas até então, ficariam bem longe dos espaços de poder e de tomada de decisões, e é por isso que precisamos eleger “pra ontem”, mais e mais mulheres negras.
O machismo que também é parte estruturante da nossa sociedade, soma-se ao racismo fazendo com que mulheres negras participem das dinâmicas sociais numa posição de extrema vulnerabilidade. O que vemos no país é uma enorme dificuldade de alguns grupos em aceitar que mulheres ocupem posições de poder. Como se esquecer da presidenta Dilma Rousseff que foi vítima de um golpe de Estado, sendo impossibilitada de concluir seu segundo mandato. Ou da vereadora Marielle franco, brutalmente assassinada no Rio de Janeiro, vítima de crime político.
O extermino de Marielle Franco, ilustra da pior forma possível como é ser mulher, preta e favelada neste país. Sua ascensão rompe com uma tradição política que têm mantido mulheres negras e periféricas longe daqueles espaços, e que sempre foram ocupados por uma hegemonia branca. Ao trazer para o debate de forma contundente e incisiva as demandas da população negra, Marielle provocou um forte abalo em setores conservadores da sociedade, e ao bater de frente com os “donos do poder”, foi brutalmente assassinada.
Os constantes debates sobre representatividade, são de fato importantes, porém, ter sujeitos que fazem parte de minorias sociais ocupando espaços institucionais na política, mas que não estejam engajados com a nossa luta por emancipação, contribui negativamente para o avanço das nossas pautas. Por isso afirmamos que representação em abstrato não serve para muita coisa, o que se confirma como o caso do atual Presidente da Fundação Palmares, que vem prestando um enorme desserviço à população negra.
A voz potente de Marielle, sempre ecoará em nossas memórias como símbolo de força e resistência, servindo de inspiração para as nossas lutas diárias. Que tenhamos um pouco de sua bravura para nos engajarmos na construção de uma nova sociedade. Os desafios são muitos e tensões e conflitos parecem inevitáveis, pois sabemos o quanto mulheres brancas e negras podem representar uma ameaça para aqueles que sempre estiveram no poder, por isso seguiremos lutando.
É hora de nos juntarmos em torno de um projeto de nação que atenda as nossas necessidades enquanto sujeitos de direitos, e o caminho para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e igualitária, passa pela elaboração de um quadro político composto por mulheres negras comprometidas com a luta contra o racismo, que tem servido de base para este sistema capitalista. Ta aí uma ótima chance para os que se dizem antirracistas, em especial a branquitude, de contribuírem com a luta do povo negro.
Marielle, presente!
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