Quantas vezes nós, mulheres negras, fomos amadas?

Enviado por / FontePor Anielle Franco, do ECOA

Inicio esse texto com uma adaptação do título do álbum do incrível Baco Exu do Blues. Ainda que seu álbum fale essencialmente sobre a experiência de um homem negro e suas relações, com toda a imensa complexidade que um homem negro pode ter, ao ouvir suas canções senti que ele falava sobre experiências comuns de todos nós, negras e negros. Faço essa pergunta, para que minhas leitoras possam responder e ao mesmo tempo para que possamos refletir juntas sobre nossas experiências.

Esse poderia ser um texto sobre um álbum ou um artista negro, mas me aproveito dessa criação para falar de outro acontecimento da última semana. Confesso que pensei que não precisaria mais escrever sobre Big Brother Brasil por aqui e esse ano estava me esforçando para acompanhar superficialmente as discussões que ocorrem no programa. Mas, na última semana, fui atravessada pelas lágrimas da participante Natália, após a mesma ver Lucas, o amigo de confinamento pelo qual estava interessada, beijando uma participante branca na sua frente, depois do mesmo ter lhe dito que não estaria interessado em ficar com “ninguém” na casa. Naquele momento, me vi nas lágrimas de Natália, assim como muitas outras mulheres também se viram.

Uma das coisas mais tristes para nós, mulheres negras, é ver nossas dores e traumas sendo televisionados e revivermos situações de violência que nos deixaram marcas profundas. Foi isso que senti ao ver Natália chorar, e refleti sobre não apenas minha trajetória de vida amorosa e as incontáveis decepções e crises que já tive em relacionamentos passados, mas o quanto a solidão, para uma mulher negra, se estende a outros campos das nossas vidas.

Somos constantemente atravessadas por estereótipos que ditam nosso lugar no mundo e o que merecemos ou não receber. Em uma sociedade onde às mulheres negras fica reservado o lugar daquela que não merece afeto, também se reserva a esse grupo violências em suas mais diversas formas de expressão. É assim quando mulheres negras gestantes sofrem violência obstétrica, por acreditarem que a mesma “aguenta a dor” porque “mulher negra é forte” e por isso tem seu cuidado negligenciado. É assim quando temos dificuldade de pedir ajuda, nos mostrarmos fracas, e quando temos que sempre performar a excelência, inclusive aquela emocional, sem que ninguém ofereça ajuda além de outras mulheres negras que, em meio às suas próprias dores e traumas, encontram força para dar suporte umas às outras.

Hoje, quero também fazer um chamado a todos os meus leitores para a responsabilidade. Assim como escreveu Sophia Rivera, escritora transfeminista e travesti, faço um chamado para que pessoas brancas e cisgêneras “se responsabilizem pelas suas posições que nos lançam ao lugar das outreridades, trilhada a partir da negociação por uma humanização cordialmente desumana”.

Por reconhecer essa condição desumana em que somos cotidianamente postas é que perguntei “Quem ama as mulheres negras?”. Quem de fato ama, admira, nutre afeto, cuida e está a disposição para uma mulher negra? Quem não hipersexualiza? Quem consegue ver o corpo de uma mulher negra para além de estereótipos e fetichização? Essas são perguntas difíceis e que infelizmente ainda hoje precisamos retomar, mas aos poucos vamos construindo respostas e outra possibilidade de ser, a despeito do que a sociedade nos reserva todos os dias.

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