Quatro policiais são indiciados por agressão a homem negro na França

Enviado por / FonteFolha de S. Paulo 

Quatro policiais foram indiciados e dois deles detidos no âmbito das investigações sobre o espancamento de um produtor musical negro em Paris, no caso mais recente de violência policial que ocorre em meio ao debate sobre a Lei de Segurança Global.

O juiz de instrução acusou três dos quatro policiais de “violência voluntária por parte de pessoa detentora de autoridade pública” (similar ao crime de lesão corporal dolosa) e de “mentir em documento público” (falso testemunho), como havia requisitado o Ministério Público de Paris.

Os acusados são os três policiais que aparecem em um vídeo divulgado na quinta-feira (26) e que foi gravado pelas câmeras de segurança do estúdio musical da vítima. As imagens mostram os agentes espancando o produtor Michel Zecler, um ato que foi chamado de vergonhoso pelo presidente Emmanuel Macron.

O policial suspeito de lançar gás lacrimogêneo no estúdio foi indiciado por lesão corporal dolosa contra o produtor musical e outros nove jovens que estavam no subsolo do estúdio.

O MP havia solicitado a detenção provisória dos três primeiros e uma medida de controle judicial para o quarto, mas o juiz decidiu pela detenção de dois e por deixar os outros sob controle judicial —esse dispositivo do direito penal francês permite que o juiz imponha restrições aos direitos dos suspeitos, como proibir viagens e determinar que eles se apresentem às autoridades com certa periodicidade.

Os advogados de três deles, Anne-Laure Compoint (que defende dois policiais) e Jean-Christophe Ramadier, se recusaram a comentar a decisão do juiz após uma audiência que terminou na madrugada de segunda-feira (30).

A detenção dos agentes deve “evitar o risco de que façam algum tipo de acordo” entre eles ou que intimidem testemunhas, argumentou o promotor Rémy Heitz ao explicar o pedido de prisão provisória.

Os três principais acusados admitiram que “a agressão não tinha justificativa e que reagiram principalmente por medo”, segundo o promotor. Alegaram pânico causado pelo sentimento de que estavam presos na entrada do estúdio de Zecler, que resistia, segundo eles.

Os policiais negaram “ter dirigido palavras racistas”, como afirma Zecler, que declarou ter sido chamado de “negro sujo”, um insulto que também foi ouvido por um dos jovens que estava no subsolo do estúdio.

O ministro do Interior, Gérald Darmanin, prometeu na quinta-feira (26) o afastamento dos policiais que “mancharam o uniforme da República”, enquanto a “Justiça apura os fatos”.

O caso, que veio à tona graças à divulgação dos vídeos gravados pelas câmeras de segurança do local, parece ter dado argumentos aos opositores da Lei de Segurança Global, cujo projeto foi aprovado na Assembleia Nacional (equivalente à Câmara dos Deputados) na terça (24).

O artigo 24 da proposta pune com um ano de prisão e multa de até 45 mil euros (R$ 287 mil) a divulgação “mal intencionada” de imagens das forças de segurança. O governo alega que o dispositivo pretende proteger a polícia de mensagens de ódio e pedidos de morte nas redes sociais, assim como a divulgação de detalhes da vida privada dos agentes que possam os colocar em risco.

Os críticos, por sua vez, afirmam que muitos casos de violência policial ficariam impunes se não fossem gravados pelas câmeras de jornalistas ou celulares de cidadãos. Também alegam que é uma medida inútil, pois o arsenal jurídico atual é suficiente para reprimir os delitos, e apontam que o direito francês “pune os atos, não as intenções”.

A evacuação brutal de um campo de migrantes em pleno centro de Paris na segunda-feira (23) e a divulgação do vídeo de espancamento de Zecler provocaram indignação e elevaram o tom do debate. Os vídeos dos dois casos foram assistidos milhões de vezes nas redes sociais.

Mais de 130 mil pessoas protestaram contra a lei em toda a França no sábado (21), segundo o ministério do Interior, e mais de 500 mil, segundo os organizadores. Em Paris, foram registrados confrontos violentos com agentes de segurança.

O balanço do ministério do Interior indica que 98 policiais foram feridos e 81 pessoas foram detidas. Em Paris, um fotógrafo independente sírio, colaborador da AFP, foi ferido no rosto.

Vídeos divulgados nas redes sociais mostram policiais sendo agredidos por manifestantes, um ato que o ministro Darmanin chamou de “violência inaceitável”.

 

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