Será que o brasileiro nunca mais vai cortar pela direita? Será que ninguém mais vai pisar na grama apesar da placa?
Por Alberto Villas, Do CartaCapital
No primeiro domingo depois que as torres gêmeas desabaram em Nova York, um repórter do Fantástico apareceu na tela afirmando que dificilmente os Estados Unidos voltariam a produzir ou exibir filmes de violência. Naquele 16 de setembro de 2001, muita gente concordou com o repórter.
Depois daquelas imagens dos prédios em chamas ruindo e as pessoas correndo da fumaça e do entulho que caia do céu, não fazia mais sentido exibir a violência gratuita no cinema ou na tela quente. Hoje, revendo aquela reportagem, parece uma piada.
Assim que o coronavírus surgiu em Wuhan, na China, desde que começou a se espalhar pela cidade, depois pelo país, seguiu para o Japão, a Coréia do Sul, alastrando-se pela Europa, devastando Bergamo, na Itália, a Espanha, a França e pelas Américas, matando milhares de pessoas, o assunto voltou à tona.
Muita gente passou a acreditar que o mundo nunca mais será mais o mesmo depois do vírus provocado por um pangolim.
A Terra virou de cabeça pra baixo. O comércio fechou, as ruas foram se esvaziando e poucos zumbis eram vistos circulando por elas, usando máscaras N-95 ou de pano mesmo. Não se viu mais uma viva alma na Praça de São Pedro, nenhum turista jogando moeda na Fontana de Trevi, ninguém fazendo uma foto como se estivesse segurando a Torre de Pisa, fazendo selfies na Torre Eiffel, no Big Ben, no Taj Mahal, na Muralha da China, no Coliseu de Roma, ninguém foi visto fazendo uma fotografia sentado ao lado de Fernando Pessoa na porta do café A Brasileira, em Lisboa.
Todas as cidades do mundo viraram, de repente, uma imensa cidade proibida.
A festa acabou. Os aeroportos esvaziaram, os gondoleiros de Veneza cobriram suas gôndolas, os ônibus do City Tour foram para a garagem e nunca mais saíram de lá. Os africanos vendendo réplicas de bolsas Louis Vuitton nas ruelas de Bolonha sumiram num piscar de olhos. Os bateaux mouches transbordando de japoneses nunca mais foram vistos singrando nas águas do rio Sena, em Paris, nem mesmo pessoas atravessando a Abbey Road, em Londres.
Por aqui, muita gente parou e pensou com os seus botões: Até que cozinhar não é tão difícil assim! E perguntou: pra que tantos sapatos? pra que tanta roupa dependurada no armário? pra que três pares de Havaianas ou quatro xampus diferentes no box do banheiro?
O importante agora é simplesmente lavar bem as mãos com água e sabão, passar álcool gel e ficar em casa quietinho.
Ficou a impressão de que o mundo nunca mais será o mesmo depois do coronavírus.
Pra que um carro desse tamanho ao preço de 180 mil reais? Só porque é um CRV da Honda? Porque comprar um par de sapatos de 200 euros? Só porque são da Tod’s? Por que comprar cerveja a a 39 reais a garrafa? Só porque vieram da República Checa? Por que pagar essa fortuna por uma posta de namorado ao molho de jabuticaba com um toque de physalis? Só porque estamos no Gero? Por que tomar esse cafezinho de 10 reais? Só porque é na Oscar Freire?
Hoje, parece que o mundo vai ser outro amanhã. Mas eu tenho cá minhas dúvidas.
Será que quando a vacina vier e o vírus desaparecer do mapa, o brasileiro nunca mais vai andar no acostamento nas estradas engarrafadas? Será que nunca mais vai jogar o automóvel em cima do pedestre quando o sinal verde abrir? Será que o racista vai deixar de ser racista? Será que o homofóbico nunca mais vai matar um homossexual? Será que vão parar e dar atenção aos moradores de rua?
Será que ninguém mais vai oferecer propina pro guarda que flagrou o carro em alta velocidade? Será que o brasileiro nunca mais vai cortar pela direita? Será que ninguém mais vai pisar na grama apesar da placa? Devolver o troco que veio a mais? Será que o brasileiro nunca mais vai xingar o juiz de ladrão? Bater na mulher? Puxar o tapete do outro? Estuprar a mocinha na escuridão?
Será que ninguém nunca mais vai estacionar o seu carro naquela vaga destinada ao idoso, a gestante ou a pessoa com deficiência?
Eu tenho cá minhas dúvidas.