Racismo contra negros cresce na Europa no pós-pandemia

Aumento da inflação e queda no poder de compra estimulam discursos excludentes da extrema direita no continente europeu

Quando a enfermeira Adriana Braz saiu do Rio de Janeiro, acreditava que uma vida quase perfeita a esperava na Alemanha. Em busca de mais qualidade de vida e segurança, ela se mudou, em julho de 2019, para a cidade de Dresden. Aos 28 anos, imigrou atraída pela ideia de um país multicultural cujo governo deseja imigrantes do Sul Global para integrar sua força de trabalho e, em troca, oferece uma vida privilegiada na Europa.

Mas, no sonhado novo lar, os episódios racistas na capital da Saxônia, ponto nevrálgico do conservadorismo na Alemanha, mostraram-se mais pervasivos no cotidiano do que a carioca, que se declara parda e não se sentia discriminada no Brasil, havia imaginado.

— Vi o impacto que a minha figura causava. Há um olhar penetrante, sobretudo dos idosos, quando você entra no ônibus, por exemplo — conta. — Sente-se um extraterrestre.

Nos cinco anos como enfermeira, ela sofreu episódios extremos de racismo, inclusive violência verbal, com um homem tendo rejeitado ser cuidado “por essa mulher preta”.

Racismo na Europa: Adriana Braz e o marido Hugo Braz — Foto: Reprodução/Imagem retirada do site O Globo

Antes e depois da Covid-19

Em 2023, o Escritório Federal Antidiscriminação alemão recebeu o recorde de 10.772 denúncias de discriminação, das quais 41% por racismo — um pico de crescimento desde 2019, quando se registraram 4.247, com 33% por racismo. Segundo pesquisa da Agência para Direitos Fundamentais da União Europeia que ouviu pessoas negras em 13 países europeus, os negros experimentam cada vez mais episódios de discriminação pela cor da pele ou pela sua origem estrangeira. Quase metade dos entrevistados (45%) relatou sofrer discriminação, em comparação a 39% em 2016. Na Alemanha, 65% se sentiram discriminados nos 12 meses anteriores à pesquisa. Em Portugal, 17%.

Em junho, o primeiro deputado negro e nascido na África da Alemanha, Karamba Diaby (Partido Social-Democrata), desistiu das eleições de 2025 à Câmara Baixa do Parlamento, o Bundestag, após ser alvo de ameaças de morte. Semanas depois, o camaronês William Chedjou foi morto a facadas numa discussão por uma vaga de estacionamento em Berlim.

Na capital, tida pelos alemães como símbolo de vanguarda e liberdade, brasileiros negros relatam um aumento do racismo principalmente fora das áreas onde vivem as comunidades migrantes. Em maio, a modelo Nina Mendes sofreu agressão física ao caminhar com a sua filha de 11 anos.

— Um homem veio de encontro a mim, quase me derrubou e não olhou para trás — conta a brasileira. — Muitas pessoas negras, então, me relataram nas redes sociais ter vivido a mesma coisa.

Racismo na Europa: Ricardo Côrtes — Foto: Reprodução/Imagem retirada do site O Globo

Para o engenheiro de software brasileiro Ricardo Côrtes, a Berlim progressista que ele conhecera quando migrou há dez anos se extinguiu com a Covid-19. A pandemia, na Alemanha e em outros países europeus, catapultou a inflação, derrubou o poder de compra e estimulou discursos excludentes da ultradireita.

— Na pandemia, o ódio aos imigrantes deu um salto notável. — diz. — Eu, inclusive, comprei uma moto para não ter de usar transporte público.

Mercado imobiliário

Uma das ocasiões em que o racismo se torna mais palpável é na busca por moradia. Os desafios variam desde a recusa em conceder aluguéis até valores mensais ou caução maiores. Na Finlândia, apontado como o terceiro mais racista pela pesquisa da UE, atrás da Alemanha e da Áustria, chegou a 62% o percentual de negros que relataram racismo na busca por moradia.

— A pandemia fez com que mais pessoas enfrentassem dificuldades em encontrar e manter suas casas, particularmente as de descendência africana — disse Nicole Romain, porta-voz da Agência de Direitos Fundamentais da UE.

Na Saxônia, o recrutamento de enfermeiros é mal recebido pela extrema direita. Em janeiro, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) criticou a secretária estadual de Saúde, Petra Köpping, por ter viajado ao Brasil para atrair mão de obra em vez de treinar mais profissionais alemães.

Enquanto isso, se fortalece o movimento negro na Alemanha, com novas organizações na luta antirracista.

— Estamos batendo de frente com iniciativas decoloniais devido à escalada do racismo. O movimento brasileiro e africano percebe essas mudanças e traz soluções — afirma Côrtes, que produz iniciativas culturais negras em Berlim.

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