Racismo e machismo desconstruídos pelo design

Com 19 anos, Giovana Rodrigues é negra e feminista, além de ser responsável pela administração e ilustrações de uma página que busca inspirar mulheres no caminho do empoderamento. Seus desenhos questionam padrões de beleza estabelecidos pela sociedade e apresenta uma interpretação que ressalta a beleza individual feminina. Mosqueando, nome inspirado em uma música do grupo gaúcho Apanhador Só, a página do Facebook possui menos de um ano de vida e já se transformou em sucesso na internet.

Por Bianca Elias Do Afreaka

Os desenhos são todos de mulheres e com um enfoque especial nas negras. Nas fotografias elas aprecem com cabelo loiro ou um afro todo pintado de azul, com tatuagens, de biquíni e até mesmo como sereias e pessoas de outros planetas. O que importa é fomentar uma discussão sobre os padrões estabelecidos por uma sociedade que teima enxergar as mulheres com um olhar machista e racista. O Afreaka conversou com a artista Giovana para saber mais sobre seu trabalho e ideias.

AFREAKA: Como surgiu o Mosqueando? Pode nos contar um pouco mais sobre a sua trajetória?

Giovana: A página Mosqueando surgiu faz um ano, mais ou menos. Meus amigos insistiam na ideia de que eu precisava postar meus desenhos, e eu tinha receio, faltava confiança; criei a página mas em menos de uma semana tirei ela do ar, desisti por insegurança. E há mais ou menos uns 3 ou 4 meses coloquei ela no ar de novo, porque dessa vez eu senti necessidade disso, senti que era muito maior do que o que eu queria pra mim e pros meus desenhos, eu enxerguei neles uma forma de ajudar outras mulheres, com o empoderamento principalmente. Mas o Instagram tem bastante tempo, há uns 3 anos.

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“Descobri a imensidão da importância do empoderamento da mulher no feminismo, e então me aprofundei no feminismo negro.” (Foto: Divulgação) 

AFREAKA: Da onde vem o nome Mosqueando?

Giovana: Mosqueando veio de uma música da banda Apanhador só, chamada “Prédio”, que diz “É tua mira que tá mosqueando” e eu gosto muito dela. Uma vez fui procurar o significado de mosquear e basicamente significa “não produzir nada durante um tempo”, ou ficar no ócio, mas coincidentemente ela também significa salpicar tinta, pintar, e quando fui criar um Tumblr eu me lembrei disso, ai decidi usar.

AFREAKA: Para quem o seu trabalho é destinado?

Giovana: Meu trabalho é para mulheres negras, e fora do padrão de beleza imposto. Às vezes eu faço alguns desenhos para outras minorias, que precisam ser empoderadas, como os LGBTTQI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Transexuais, Queer e Intersexuais).

AFREAKA: O Mosqueando traz à tona, de maneira crítica e irônica, o empoderamento feminino, especialmente o de mulheres negras. Qual a sua relação com o tema?

Giovana: Eu comecei o contato com as militâncias cedo, mas era só por meio do estudo de sociologia, me interessava mas não sabia como ou onde militar. E descobri grupos que promovem debates sobre questões sociais, e isso me ajudou mais ainda. Hoje sou feminista negra. Descobri a imensidão da importância do empoderamento da mulher no feminismo, e então me aprofundei no feminismo negro. As pessoas pensam que as vertentes das militâncias servem pra dividir e colocar uma contra outra, e não é assim, cada grupo tem necessidades diferentes, e eu busco principalmente lutar pelas necessidades da mulher negra, já que sou uma delas. O empoderamento dessas mulheres é uma das coisas que precisam ser feitas, e os desenhos vieram pra isso, pra dar poder a essas mulheres. Elas precisam enxergar que são bonitas, elas precisam se sentir representadas, porque elas existem, então por que esconder ou excluir suas belezas? Não faz sentido, elas são lindas.

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Nas fotografias as mulheres aprecem com cabelo loiro ou um afro todo pintado de azul, com tatuagens, de biquíni e até mesmo como sereias e pessoas de outros planetas. (Foto: Divulgação) 

AFREAKA: Os seus desenhos têm um teor de luta e resistência. Qual a importância da militância feminista e negra hoje?

Giovana: A sociedade é racista e machista, não tem como negar. O machismo está escondido no cotidiano, como em tornar obrigação da mulher cuidar da casa, cuidar do marido, na violência doméstica, no incentivo que dão para as meninas de priorizar a beleza, a doçura, o conservadorismo, tudo para agradar homens. O racismo está mais escondido ainda, está na piada, está na repressão do cabelo crespo, está no padrão de beleza que exclui totalmente o negro, está nas estatísticas de morte, do não escolarizado, está na falta de representatividade, está na omissão da história do povo negro. E ambos andam juntos em diversas situações. Um dos exemplos que vejo ser discutido com frequência é a solidão da mulher negra, e temos nesse tema sua objetificação e fetichização, como se elas não fossem apresentáveis como namorada, mas fossem boas pra namorar. Não faz sentido, e tem ainda a famosa”questão de gosto” que nada mais é que um molde feito pela sociedade e que as pessoas não percebem.

Muito do que se diz sobre racismo e machismo está camuflado, está em coisas “pequenas”. Mas que atingem de forma brutal as mulheres e os negros. E não devemos fechar os olhos pra isso, é importante quebrar a normatividade em volta de tanta violência, enxergar que é problemático e prejudicial, muitas vezes de forma brutal. Que mulher não sofre com a autoestima baixa? Com a vontade de ser sempre mais bonita, mais magra, mais parecida com alguma modelo? Que mulher negra não sofre pra alisar o cabelo, pra encontrar produtos para sua pele? Para encontrar representatividade? Esses são só alguns dos problemas, ainda existem as mulheres que são mortas em clínicas de aborto, que sofrem violência doméstica e não encontram suporte em lugar nenhum. São diversos problemas, e muitos deles são lidos como algo normal. Então é necessário ir contra quem fecha os olhos pra tudo isso, ou quem reproduz tudo isso. É necessário parar de normalizar essas violências. É necessário valorizar a mulher, e a cultura negra.

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