Racismo em prova da Seduc vai parar no Ministério Público

Duas tirinhas. Uma criança é informada que durante o dia terá que fazer aulas de francês, futebol, música e reforço escolar. Diante da agenda, o garoto pergunta: “Que horas eu vou ser criança?” Na segunda, um menino desapontado reclama que o carrinho que ele pediu não era o carrinho que tinha recebido, de mão, destes usados na construção civil.

por Tatiane Calixto no A Tribuna

iStockphoto

Na primeira situação, o menino é branco. Na segunda, negro. Para a secretaria de Educação de Santos, que utilizou as tirinhas em uma prova, a questão central era a vontade de cada um deles de ser criança. Para o Educafro Valongo, foi o racismo.

A pergunta era sobre qual o assunto comum entre os dois textos e integrava uma avaliação aplicada, no último dia 16, a todos os alunos do 4º ano do Ensino Fundamental da rede municipal, como forma de avaliar o nível de aprendizado neste segundo semestre.

Por meio de uma denúncia anônima, o material foi encaminhado ao cursinho pré-vestibular Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), núcleo Santos Valongo, depois que um aluno questionou se aquela situação não era racismo. Segundo o Educafro, a elaboração da questão contribui para a incitação à discriminação ou preconceito de raça, cor e etnia.

”Nós fizemos uma reunião com advogados, pedagogos e psicólogos e decidimos oficializar diversas entidades. O Ministério Público e a secretaria de Educação de Santos foram os primeiros”, garante o advogado e coordenador do Educafro Núcleo Valongo, Júlio Evangelista Santos Júnior.

Para ele, a questão dos negros na educação não pode ficar restrita a algumas atividades sobre o continente africano e que é preciso atenção a situações do cotidiano como esta. Ele cita Nelson Mandela e afirma que ninguém nasce racista, mas aprende a ser e, exatamente por isso, a escola tem papel fundamental.

“As pessoas aprendem a ser racistas com o tempo. Se não prestarmos atenção em questões pedagógicas como essa, o que estaremos passando para nossas crianças? Isso influencia na rejeição que o negro tem em relação ao próprio corpo, a sua história”, diz.

A tirinha da prova, segundo ele, fortalece estereótipos e uma imagem pejorativa do negro. “Vivemos um momento importante na luta contra a chaga que é o racismo. Perdeu-se uma oportunidade de se debater esta questão naquele momento. Precisamos de um setor na Educação para discutir a questão da diversidade em abordagens pedagógicas”, orienta Júnior.

Psicológico

Letícia Moura é psicóloga e também assina o documento enviado ao MP e interpreta que foi um erro pontuar que o maior conflito da charge seja a impossibilidade das crianças brincarem.

“São duas situações diferentes. A criança branca tem a oportunidade de realizar diversas atividades para desenvolver suas habilidades. Existe excesso, mas ela irá utilizar tudo para conseguir uma vida melhor. A criança negra aparece desamparada e em um dilema que a impede de brincar. Mas ela não dispensa o carrinho de mão porque precisa dele para trabalhar, em uma situação apresentada como determinista”, justifica.

A psicóloga faz um alerta. Para algumas crianças, a imagem pode soar como uma ofensa, mas, por se sentirem envergonhadas pela situação, elas silenciarão, guardando a dor do preconceito. Isso pode acarretar prejuízos em relação a auto-estima e fortalecer sentimentos de incapacidade.

“A pessoa não é formada apenas pelo olhar que ela tem de si própria. Mas também do olhar que outro tem sobre ela. Desta forma, ela pode crescer acreditando que não é capaz de estar em determinados espaços”.

Seduc anulou questão

Em nota, a secretaria der Educação de Santos informou que ainda não foi notificada pelo MP, mas que recebeu um documento do Educafro. Porém, garante que mesmo antes da manifestação da entidade reavaliou “conceitualmente” a questão e decidiu anulá-la. “Esclarecemos, ainda, que a Seduc reuniu todos os professores das salas em cuja avaliação foi aplicada para uma formação sobre diversidade étnica”, respondeu.

De acordo com a secretaria, 2.800 alunos de 4º ano realizaram a prova. O assunto será debatido entre a Seduc e o Educafro em uma reunião agendada para a próxima terça-feira. “A Seduc faz questão de ressaltar que repudia quaisquer atos ou palavras que possam ensejar preconceito e discriminação racial”

Questionada sobre uma análise do conteúdo da prova antes do material ser enviado às escolas, a Seduc afimou que a avaliação passou pela equipe de elaboração que cuida da questão ortográfica, gramatical e, ainda, verifica as habilidades de leitura, escrita e interpretação que devem ser adequadas à faixa etária.

A Seduc garante que entre outras iniciativas, promove junto aos educadores, um projeto de formação com reuniões periódicas onde são abordados de temas como diversidade, respeito às diferenças e preconceito e desde 2004, os professores da rede participam anualmente, de formações sobre a temática.

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