Racismos contemporâneos

Será lançada no próximo dia 9 no Plenário da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal a publicação Racismos contemporâneos, realização da Takano Cidadania e Ashoka Empreendedores Sociais que reúne um pouco da vasta produção crítica que vem sendo desenvolvida, na obscuridade, pelo conjunto da militância negra deste país. É isso que o livro representa: mais uma contribuição na direção da quebra do silêncio e da invisibilidade a que tem sido historicamente submetida a crítica que o pensamento negro vem engendrando sobre as relações raciais no Brasil.

Por Sueli Carneiro

A primeira questão que o livro coloca de imediato no título é o rompimento com os eufemismos com que se tenta amenizar a realidade de exclusão de natureza racial a que os negros se acham submetidos no Brasil. Explicitar o racismo é recusar o que a nossa tradição cultural instituiu como um não-dito. A nossa etiqueta social se compraz em evitar essa palavra, que virou sinônimo de mau gosto. E, nesse sentido, Racismos contemporâneos incide sobre os paradigmas de invisibilidade ou indiferença com a questão racial.

Mas, sobretudo, reflete o engajamento de novos setores sociais a uma concepção antiga dos movimentos negros nacionais: a de que a resolução da questão racial no Brasil não é problema apenas dos negros, mas elemento estrutural da sociedade brasileira que exige o posicionamento de todo agente social comprometido com os rumos do país. Sinaliza que, de fato, a ética é uma ótica. E é essa ótica que orienta a visão política da Ashoka na sua busca intencional do empreendedor social negro para integrar a sua fellowship. E no seu esforço de, mediante publicações como essa, visibilizar o protagonismo de sujeitos do conhecimento e sujeitos políticos contra-restando com a postura corrente de não-reconhecimento do protagonismo político negro.

Como afirma Célia Cruz, diretora da Ashoka Brasil no prefácio do livro, ‘‘com a publicação de Racismos contemporâneos, reunindo textos de onze integrantes de sua rede de empreendedores sociais no Brasil, a Ashoka pretende contribuir para ampliar ainda mais esse debate, que deve mobilizar todos os setores da sociedade. Problema a ser considerado quando da elaboração de políticas públicas, o racismo deve, também, constituir preocupação constante em nossa vida cotidiana, para que não compactuemos nem com privilégios nem com preconceitos presentes há décadas na rotina de vida dos brasileiros. Privilégios e preconceitos esses que tentam legitimar a concentração de riqueza e a exclusão da maioria com a manutenção da injustiça social”.

Reflete também a emergência de nova dimensão da responsabilidade social de empresas que já não temem associar o nome aos temas silenciados, o que se expressa na vontade política da Takano Cidadania em contribuir para o rompimento da conspiração do silêncio que caracteriza o tratamento do problema do racismo em nossa sociedade apoiando essa e outras publicações com esse recorte. Sugestivamente, o livro inaugura a Coleção Valores e Atitudes, da Takano Cidadania, assentada numa perspectiva ética assim descrita por Antônio Takano, presidente do Conselho de Administração do Grupo Takano: ‘‘Quando lançamos a Coleção Valores e Atitudes, prometemos aos nossos parceiros e à sociedade como um todo que nossas publicações tratariam de conteúdos e experiências capazes de provocar uma reflexão sincera que orientasse a tomada de decisões dos gestores públicos e privados em direção a um desenvolvimento com justiça social….Com a edição deste livro de ensaios, redigido por 11 pensadores e militantes sociais que atuam em áreas diversas, todos abordando a dimensão do racismo contemporâneo, esperamos que a pauta política da desigualdade racial tome corpo e consistência para que seja enfrentada com a coragem e a urgência que milhões de brasileiros necessitam”.

O lançamento do livro, precedido do debate sobre políticas públicas e questão racial com membros do governo e do Senado, sinaliza fortemente para os gestores públicos a nova compreensão que emerge na sociedade e a expectativa de vê-la refletida nas políticas públicas. Enfim, ao lado das práticas discriminatória consagradas, surgem novos territórios de resistência e combate às práticas seculares de exclusão.

A emergência das novas parcerias representa um novo pacto de co-responsabilidade entre negros e setores racialmente hegemônicos para a solução das desigualdades raciais e para a construção de novos paradigmas de sociabilidade, respeito mútuo e participação democrática no país. As parcerias que viabilizam a iniciativa afirmam que cada um, do interior de sua especificidade, pode encontrar maneiras de dar a sua cota para a promoção da igualdade racial. Basta apenas a firme decisão de trair o racismo deixando de compactuar com as perversidades sociais que ele produz.

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