Reduzir a maioridade penal é varrer o lixo da sociedade para debaixo do tapete

Uma amiga comentou no perfil dela sobre o ciclista esfaqueado no Rio de Janeiro e terminou o post franqueando os comentários a quem é contra a redução da maioridade penal.

por Alexandre Rosas no Brasil Post

Aceitei o convite e escrevi o texto abaixo. quem se interessar pelo tema e tiver reparos a fazer, críticas, contra-argumentos, sou todo ouvidos. segue minha resposta:

Os menores, hoje, se forem pegos, são presos. Só não são presos num presídio: vão pra Fundação Casa. Isso é a partir dos 12 anos, não é nem dos 16.

Se a maioridade penal for reduzida pra 16, os menores que forem pegos irão para os presídios dos adultos, onde imagino que você saiba o que vai acontecer com eles…

Não há como achar que isso vai melhorar a segurança.

No caso de crimes hediondos (latrocínio, p.ex.), eu acho que o menor deveria ser tratado de forma diferenciada, sim: enquanto ele for um risco concreto e imediato para a sociedade, é preciso que fique isolado do convívio social. E casos especiais, como de psicopatas irrecuperáveis, precisam de um tratamento diferenciado, também. Coisas impensáveis acontecem, e precisamos lidar com elas de algum modo. E esse modo precisa ser debatido com responsabilidade, sem extremismos.

Porém, fora dos casos extremos: se as medidas punitivas e sócio-educativas atuais não são conduzidas da forma devida, o modelo pode e deve ser aprimorado: mais tempo de reclusão e/ou mais rigor para o jovem autor de crimes mais graves, talvez? Um belo tema para a sociedade discutir.

Mas tratar pessoas que ainda têm chance de recuperação como animais selvagens (que é a função de nossos presídios atuais: torturar e deformar mais profundamente seres humanos) não vai tornar a sociedade mais segura.

Ou vai? Você acha – honestamente – que vai?

Um exercício mental válido que proponho é o seguinte: imagine que um filho nosso (um filho seu, ou um filho meu), de 16 anos, seja preso por engano. Você sabe que no brasil isso é possível: Você ia preferir que, nessa idade, seu filho fosse levado para uma instituição interessada em ressocializá-lo, ou fosse levado para um presídio de adultos?

Não precisa me responder, eu já sei a sua resposta. Você ia preferir que o seu filho fosse levado para a Fundação Casa, que não é nenhum paraíso, mas também não é o inferno de um presídio de adultos.

E aí, o equívoco poderia ser desfeito, e o susto imenso teria consequências menos funestas.

A sociedade deveria se mobilizar para exigir a melhoria dos modelos e das instituições atuais, oferecendo reais condições de ressocialização e reeducação dos menores (lembro que é nessa fase que o ser humano está em formação, e ainda tem a escolha do rumo a seguir na vida, mesmo que a decisão dele, no momento, seja a decisão errada).

A sociedade também devia exigir o fim desses centros de tortura e profunda degradação humana que são os presídios de adultos, e sua transformação em instituições decentes (não em hotéis, veja bem, mas em instituições que prestem um serviço real à sociedade). Mas me parece que grande parte da sociedade não está interessada em nada disso porque:

1. Ela não acha que ela própria e os seus são o público-alvo, ou seja: na cabeça dela, não é problema dela. É problema exclusivo de quem for preso (imagino que você perceba o quanto esse raciocínio está tragicamente equivocado: quando eles saem ou fogem dessas escolas de crime e degradação, vão fazer o que contra a sociedade que criou, tolerou e manteve esses centros? pois é…).

Em suma, a sociedade faz exatamente aquilo que critica em pôncio pilatos: lava as mãos e assina um perigosíssimo cheque em branco.

2. São exatamente essas condições degradantes que dão a grande parte da sociedade aquilo que ela realmente quer: a sensação de vingança, a satisfação do desejo de reciprocidade: o criminoso matou, estuprou, torturou, agora está correto que a sociedade civilizada da qual fazemos parte – e que queremos proteger – promova a tortura, o estupro e a morte dessas mesmas pessoas.

Nós sabemos o resultado dessa política. É a política atual, que já praticamos, e que, agora, querem estender aos jovens a partir de 16 anos.

Um trágico tiro no pé, que a sociedade talvez dê mesmo, para perceber mais adiante que não adiantou, e que fará com que pense, então, em reduzir para 14, ou 12, ou quem sabe 10 anos…

Tudo isso para chegar um dia e ela se dar conta de que tentou varrer o lixo da sociedade pra debaixo do tapete, e essa bela tática de avestruz não deu certo. Faltou o dever de casa: investimento em boas escolas, em desenvolvimento social, em emprego digno, etc. (E em instituições penais e prisionais que trabalhem pela recuperação daqueles que podem se recuperar, e pela segregação civilizada – não estou falando de mordomia – daqueles que não têm mais recuperação).

E isso vale para qualquer idade. Não se trata de deixar o menor livre. Eu repito: a partir dos 12 anos, o menor no Brasil já é retirado do convívio da sociedade quando é capturado após cometer um crime. A questão é o que devemos fazer com esse menor: mandá-lo para o presídio dos adultos me parece a última coisa de que precisamos. Se as medidas punitivas e sócio-educativas aplicadas aos jovens hoje não são suficientes, que se aprimore o modelo.

Estamos cavando nossa própria cova, e desencadeando nossa própria tragédia. Dever de casa já, para todos nós. É o que está faltando. O básico.

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