Revolucionário, mas não é para todos

Descansar é fundamental para a saúde física e mental, mas mais um direito sequestrado dos negros

A jornalista Ana Cristina Rosa é Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública) - Foto: Keiny Andrade/Folhapress

Passei os últimos dias pensando no significado e na profundidade de uma postagem que li numa rede social contendo a afirmação: “Descansar é revolucionário!”. Fiquei me perguntando quem é que consegue descansar de fato?

Pergunto a partir do lugar privilegiado de quem tem educação, trabalho decente, moradia digna, além de direito a lazer. Contudo, me sinto culpada quando estou “fazendo nada” e me permito cuidar de mim.

Foto: Delmaine Donson/iStock

Conversando com amigas, confirmei a suspeita de que boa parte também tem dificuldade de ficar quieta, “só relaxando”. Mesmo quando há essa possibilidade, como num feriado prolongado.

Mas foi a declaração de uma mulher preta como eu que calou fundo. Disse: “Se me dou um tempo, parece que estou falhando com alguém”.

Infelizmente, não é um sentimento isolado. Trata-se de mais um dos legados da escravização, que ‘sequestrou’ o direito dos negros de viver sem correr contra o tempo, o tempo todo, diante do que se apresenta cotidianamente como um enorme passivo a resgatar.

Como descansar sabendo, por exemplo, que serão necessárias mais de três décadas para que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos negros se iguale ao dos brancos no Brasil pelas estimativas do último relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento?

Mulheres negras são o maior contingente da população brasileira: cerca de 60 milhões de pessoas, ou seja, uns 29% do nosso povo. Também chefiam a maioria das famílias. São responsáveis por 34% das crianças e dos adolescentes de até 14 anos. Mas em geral ganham menos.

Mulheres negras têm fama de fortes, mas a “força” que move também sufoca.

Mais que revolucionário, descansar é fundamental para a saúde física e mental. Pena não estar ao alcance de todos. Não é por acaso que pessoas negras sofrem mais de doenças crônicas relacionadas ao estresse (como transtornos mentais e hipertensão arterial). É cansativo.

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