Rimas, melodias e a luta por uma sociedade menos desigual

Coletivo de mulheres mistura R&B com rap e eleva a representatividade feminina

Fonte: Freak Market

por, Gil Luiz Mendes

De acordo com o matemático e filósofo grego Pitágoras, o número sete é sagrado, perfeito e poderoso. Do cristianismo à cabala o numeral tem um simbolismo para diversas crenças. Sete também é o número de integrantes do grupo Rimas & Melodias. Sagradas e perfeitas com certeza elas não são, mas não há dúvidas quanto ao poder que elas têm.

Os dez vídeos produzidos pelo grupo e publicados no Youtube talvez deem uma ideia da força que elas produzem quanto estão juntas. Se mesmo depois de ver e escutar o conteúdo dos versos e a beleza harmônica das músicas, você achar que é mais um grupo de rap formado por meninas, experimente passar uma tarde com elas e ver o que elas têm a dizer além da canções.

Fiz isso em uma ensolarada tarde de domingo nos fundos da Casa Brasilis, no bairro de Pinheiros. Já havia visto três dos dez vídeos e, sim, fiquei bem impressionado, mas não tanto quanto após o encontro que durou pouco mais de 90 minutos, algumas cervejas, muitas risadas e alguns foras que tomei por perguntas óbvias e aquele machismo que todos temos e que a gente tanto luta para que desapareça do nosso subconsciente.

Alt Niss, Drik Barbosa, Karol de Souza, Stefanie, Tássia Reis, Tatiana Bispo e Mayra Maldjia tem suas particularidades e características singulares. Uma ri mais, outra é mais calada. Uma tem um pavio mais curto, outra é moderada. Mas é a semelhança de ideias que as unem, além, claro, da música. Elas compartilham do mesmo pensamento sobre o papel da mulher dentro do rap e as mesmas influências musicais.

Cada uma das integrantes já tem uma caminhada musical dentro do hip hop e tratam o Rimas & Melodias não como um trabalho paralelo ou mais um grupo, mas como um coletivo de manas que rima e de manas que cantam. A união das experiências de vida, preferências de estilos e da atitude de suas integrantes que faz o som de R&M algo diferente do que estamos acostumados a ver por aí.

Juntas para somar

Quem teve a ideia de reunir todas aquelas meninas para fazer um som foi Tatiane Bispo. Publicitária de formação, ela quis explorar o seu lado cantora ao lado de pessoas que ela já conhecia e admirava. A primeira a ser convidada e conhecer a proposta de Bispo foi a DJ e jornalista Mayra Maldjian. Com duas integrantes na área de comunicação, a estratégia de divulgação estava pronta antes das músicas.

“A gente pensou em fazer algo para impressionar. Queríamos fazer uma apresentação mostrando quem iria participar, como e onde iria acontecer. A ideia era fazer apenas um vídeo de um cypher com todas nós e uma festa de lançamento disso. A gente apresentou o projeto para o restante das meninas e todas toparam. Quando a gente se reuniu para ensaiar pela primeira vez já rolou uma sintonia e empolgação”, comenta Tatiana.

Tamanho entrosamento e repercussão enterrou a ideia de fazer apenas uma festa e um único vídeo. Uma semana após a publicação do vídeo a página das meninas no Facebook tinha mais de dois mil seguidores. A partir daí começaram a gravar as parcerias e as músicas solo e o que era para ser um simples registro do encontro de mulheres fazendo rap, se tornou numa série na internet e shows em festivais.

“Não tinha como não continuar o projeto depois de toda repercussão e da nossa empolgação. Começamos a receber umas mensagens muito pesadas no bom sentido. Pessoas de diferentes lugares dizendo que agora se sentiam representadas por sermos mulheres falando aquilo que elas queriam dizer e estamos fazendo aquilo através do nosso som”, revela Mayra.

E o discurso delas é direto. São mulheres independentes, com talento e luz própria, contrárias a sociedade machista que ainda prevalece em pleno século XXI e que juntas estão preparadas para conquistar o seu espaço. Infelizmente ainda há diversos tipos de preconceitos a serem enfrentados e vencidos. Atitudes aparentemente simples e corriqueiras ainda são carregadas de atitudes misóginas e a contra isso que o Rimas & Melodias levanta a voz.

Vozes doces e duras

No rap feito no Brasil é comum ver grupos formados por homens e as mulheres que se lançam nesse cenário fazem carreira solo. O Rimas & Melodias chega para ocupar essa lacuna deixada, trazendo elementos diferentes na sua concepção. A fusão que diferencia o som delas é o encontro do rap com o R&B, gênero muito difundido entre os artistas norte-americanos e pouco explorado por aqui. “O pagode é o R&B brasileiro”, brinca Drik Barbosa.

Em meio a toda doçura encontrada nos timbres agudos dos refrões estão letras que falam que a discriminação contra mulheres não passará incólume aos olhos e ouvidos da sociedade. Quando as sete se juntam e colocam pra fora toda essa ira contra os preconceitos, o conceito de sororidade, tão pregado pelos movimentos feministas, fica mais fácil de ser compreendido.

“As mulheres se identificam muito com o que falamos, porque é diferente ouvir um cara falando sobre relacionamento e uma mina falando sobre isso”, compara Stefanie. “No rap ainda rola muito preconceito. Se você for ver os line ups dos festivais são todos formados por homens. O cachê dos caras é maior que o nosso. Em 2015 e 2016 as coisas melhoraram muito para as mulheres, mas o machismo ainda está aí nas pequenas coisas”, diz Karol de Souza.

“O machismo não é só no rap. É geral. Não é um evento isolado. Ele é uma estrutura que desprivilegia as mulheres. Pode ser sutil, mas ele é muito meticuloso e corrobora pra que sejamos invisibilizadas e mal remuneradas, por exemplo”, define Tássia Reis.

Utilizando dos recursos que a internet oferece, aliando o talento musical e os ideais de uma sociedade mais justa, o Rimas & Melodias vai conseguindo o seu espaço e encantando os que são pegos desavisados. Mais do que foi dito durante este texto você pode conferir o que é coletivo assistindo o vídeo abaixo, gravado, à capela, logo após a nossa conversa.

 

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