Rodo cotidiano: eu, um motorista, o preconceito e 2 fuzis

Poderia ser apenas mais uma história para ilustrar o rodo cotidiano em uma madrugada qualquer no subúrbio do Rio de Janeiro. Poderia, mas não é. Aconteceu comigo.

Foto: Arquivo Pessoal

 

Por Henrique Rodrigues Enviado para o Portal Geledés 

Sábado. Dia 13/05/17. 04:00h.

Saí de um show e pedi um carro pelo aplicativo. Confirmei a placa, abri a porta do carona, conversei um pouco, confirmei o destino e dormi.

Quando acordei, percebi: estávamos quase na Av. Martin Luther King. Como tem muito assalto naquela região, falei que seria melhor virar à direita, na próxima bifurcação, e entrar na Av. Brasil, mais a frente. Recado dado, virei pro lado. Dormi novamente.

Em um romance, Machado de Assis cria um fictício personagem que, depois de morto, escreve sua própria biografia, onde registra até seus últimos momentos antes de sua morte. Pois então. A partir deste ponto, é assim que eu me vejo: Morto. Mas fora de um romance. Sem valor. Sem mesmo saber quem eu sou. E como Brás Cubas, me torno um “defunto-autor”.

O motorista ao ver um carro da polícia, diminuiu a velocidade e, de repente, fechou os policiais, jogando o carro na frente. E lá estava eu: dentro do carro. Sem reação. Assustado. Ainda tentando entender o motivo do motorista ter parado. E do lado de fora, na minha direção: sirene, farol e dois PMs com seus fuzis engatilhados.

Saí do carro tentando perguntar o que estava acontecendo. Não deu tempo. Pára de falar!! Vira de costas!! Abre as pernas!! Documento!! Tá vindo de onde?! Indo pra onde?!

Depois da revista, informei que não sabia o motivo de estar ali parado. E quando o motorista, pelos policiais, foi questionado, este falou que “achou estranho” eu mudar a rota de destino, já que o GPS vinha indicando o caminho.

Sem acreditar que este era o motivo o “real”, ainda fui informado que da forma como os policiais foram abordados, por pouco teriam atirado.

Depois de receber a “dura”, onde viram que eu não tinha nada que me qualificasse como alguém perigoso, ainda perguntaram se eu queria seguir viagem com o motorista criminoso. Isso mesmo! O mesmo que acabou com minha dignidade, que me tirou a vida.

Respondi que não e, com o resto do que ainda sobrava de mim, fui em busca de um táxi, na Av. Brasil, de madrugada, na altura de Manguinhos.

Consegui um táxi (milagre!). Cheguei em casa. E ali fiquei. Morto. Fora de um romance. Sem valor. Sem dignidade.

No dia seguinte, em casa, ainda morto, vi que a tragédia ocorrida poderia ter sido pior. Pois não me tiraram o que tenho de melhor: minha família. Ali encontrei conforto. Encontrei Valor. Encontrei Vida.

 

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