Saúde pública e a pandemia de COVID-19 no Brasil

Em  discussão  mais  recente  e  direcionada  as ações estatais,  podemos notar que após o Golpe de Estado de 2016, acontecimento que favoreceu a saída da presidenta Dilma Rousseff, Michel Temer na intenção de manter níveis econômicos satisfatórios, para mencionar alguns dos retrocessos, instituiu a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos (EC nº 95/2016), que limita por 20 anos o financiamento das políticas de saúde, promoveu ainda a Revisão da Política Nacional de Atenção Básica (agosto de 2017) com mudanças na estratégia de organização dos serviços. Como assinala Bravo et al.: 

 

Uma dessas questões é a perda de recursos federais destinados ao SUS estimada em R$ 654 bilhões de reais nesse período de 20 anos, em um cenário conservador (crescimento médio do PIB de 2% ao ano). Ao utilizar uma estimativa de crescimento maior (3% ao ano), a estimativa chega a R$ 1 trilhão. Ou seja: ao comparar a regra da PEC com a atual, quanto mais a economia brasileira crescer nesse período, maior a perda de recursos para a Saúde. (BRAVO et al., 2018, p. 15)

Constata-se, com o novo regime fiscal a difícil concretização dos serviços públicos com qualidade, o que denota a necessária luta dos movimentos sociais para responder aos desafios atuais. A pandemia do COVID-19 por sua vez, tem influenciado o cotidiano dos espaços de saúde de forma incisiva. Os profissionais da saúde tem apresentado a tarefa árdua de executar suas funções com condições de trabalho precárias, falta de EPIs adequados, ausência de estrutura e convivido com a superlotação das unidades. A política de saúde neste momento crítico é vista como mercadoria para quem dela pode pagar tornando-se uma política segmentada e dual. As consequências desse processo trazem para o Brasil vários agravos como: maior desigualdade; inoperância dos direitos sociais; sucateamento da saúde e seu consequentemente desmonte, números expressivos de acometidos pela doença, mais de 50 mil mortes em pouco mais de três meses, subnotificação e dentre outros problemas. 

É importante lembrarmos que em meio à crise instaurada estamos há mais de um mês sem ministro da saúde, as desigualdades de acesso da população aos serviços de saúde aumentam todos os dias bem como a escala de letalidade, com isso é notório os desafios para a construção de práticas baseadas na integralidade. Como bem ressalta Bravo et al(2018) o mercado passa a dividir/disputar o orçamento da saúde, por outro lado passa a ser compreendido, enquanto lógica, que essas entidades são promotoras de saúde. Ademais, o discurso institucional do presidente e seus apoiadores não estão no sentido de prevenção de mortes como determina a Organização Mundial da Saúde (OMS)  e sim na flexibilização das medidas do lockdown além da negação da ciência e disseminação de fake news no âmbito da saúde.  

Nessa linha, a participação social na defesa dos princípios do SUS é de extrema importância para reafirmar a saúde como um direito fundamental garantido constitucionalmente, lutando assim, na contracorrente do projeto hegemônico. É urgente a necessidade de mobilização e diálogo coletivo para barrar o projeto necropolítico do governo federal, e garantir que o SUS continue com profissionais críticos, de referência nos diversos campos e compromissados com a transformação social. Cobertura universal (de verdade) reduz mortalidade… Qualquer restrição de acesso produzirá efeito contrário. 

 O problema é estrutural. A pandemia ressalta as desigualdades e são, também, as desigualdades que impactam a saúde. Por isso, as respostas aos impactos passam pela promoção de direitos, garantindo renda, proteção aos direitos sociais e o compromisso com um SUS 100% público, estatal e de qualidade.  

Referências

BRAVO, Maria Inês Souza; PELAEZ, Elaine Junger; PINHEIRO, Wladimir Nunes. As contrarreformas na política de saúde do governo Temer. Argumentum, Vitória, v. 10, n. 1, p. 9-23, jan./abr. 2018.

 


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