Se liga, meu irmão

A PEC da Anistia é um excelente exemplo de que a exclusão racial faz parte do nosso processo eleitoral

Além de marcar mais uma festa da democracia, as eleições municipais de 2024 deixam claro e evidente que o antirracismo, apesar de previsto na Constituição Federal de 1988, está distante das práticas político-eleitorais.

Nossa Carta Magna (que fez aniversário no dia 5) é uma das mais progressistas do mundo. Provocou avanços sociais. Porém, estamos longe de alcançar objetivos fundamentais da República e os preceitos de “igualdade e justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, como diz em seu preâmbulo.

É nas cidades que “a vida acontece”, prega o dito popular. Os brasileiros acabaram de votar para eleger prefeitos e vereadores de mais de 5.000 municípios. Com raras exceções, a população majoritária desses locais é preta e parda. Contudo, mais uma vez não esteve proporcionalmente representada.

A deputada Benedita da Silva (PT-RJ) assina a Constituição, em 1988; ao seu lado, o relator, deputado Bernardo Cabral (PMDB-AM)

Além disso, a pauta racial esteve ausente de quase todos os programas de governo. Também foi um “não assunto” nos debates entre postulantes à gestão das capitais. Mulheres e homens negros foram atacados e agredidos (virtual e fisicamente) na campanha. Sem falar nas proposições que prejudicam e boicotam a negritude.

PEC da Anistia é um excelente exemplo de que a exclusão racial faz parte do nosso processo eleitoral. Por meio dela, a branquitude investida no poder perdoou sanções tributárias impostas a partidos políticos. O que inclui multas por descumprir cota destinada a negros e mulheres, além de mudar o percentual de repasses dos fundos eleitoral e de campanha para candidatos pretos e pardos.

Na música “Candidato Caô Caô” lançada no ano da promulgação da Constituição de 1988, o sambista Bezerra da Silva profetizou: “(…) Meu irmão/Se liga no que eu vou lhe dizer/Hoje ele pede seu voto/Amanhã manda a polícia lhe bater, podes crer/(…) Meu irmão/Se liga no que eu vou lhe dizer/Depois que ele for eleito/Dá aquela banana pra você, podes crer.”

A redução das desigualdades no Brasil passa por políticas públicas de ação afirmativa. E enquanto as chamadas “minorias” estiverem sub-representadas, menores são as chances de suas necessidades serem atendidas —que dirá, priorizadas. Se liga, meu irmão, pois algumas bananas foram dadas antes mesmo do pleito ocorrer.


Ana Cristina Rosa – Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública)

+ sobre o tema

Esconde – Esconde

No Brasil 56 mil pessoas são assassinadas por ano....

Itália de Prandelli é multirracial, apesar do racismo persistir no país

Por toda Europa, seleções já incorporaram imigrantes e filhos...

Para Chico César, preconceito vem de quem perdeu privilégios

Bruno Garcez Manifestações de preconceito como as expressas em redes...

para lembrar

A galera da van

Para aproveitar o feriado de 1° de Maio, viajei...

Jovem é baleada em ato contra morte de morador de Manguinhos, Rio

Adolescente de 17 anos foi encaminhada para Hospital Salgado...

Pesquisadora discute encarceramento em massa com base em pensadoras negras

Com a intenção de introduzir e estimular homens e...
spot_imgspot_img

Vale a pena ver de novo

Num tempo em que não havia espaço para pessoas negras no teatro, no cinema e na televisão, Léa Garcia foi pioneira ao destacar-se no universo das...

‘Preferiria morrer a confessar um crime que não cometi’: a história do homem negro que passou 46 anos preso injustamente

Aos 22 anos, o americano Richard Phillips era um típico rapaz que queria construir sua vida nos Estados Unidos. Natural de Detroit, no Michigan,...

Condenação de assassinos de Marielle traz alívio, nunca alegria

Foi a justiça possível, como definiu o promotor Fábio Vieira, do MP-RJ, que se fez com a condenação de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz. Seis anos,...
-+=