Será que ele é?

Por: Jotabê Medeiros

O que credencia um Aleijadinho a se tornar um Aleijadinho?



É uma questão complexa. A atribuição de uma obra do maior mestre do barroco brasileiro tem percorrido caminhos sinuosos e controversos desde sua assunção como unanimidade nacional no governo Getúlio Vargas, por intermédio dos esforços de Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969), primeiro diretor do Serviço do Patrimônio Histórico Nacional, em 1936.

Uma imagem em madeira de um santo católico, encontrada por acaso pela reportagem do Estado no último dia 3 de março em Santiago, Chile, atiçou a curiosidade dos especialistas e revolveu a terra sedimentada das atribuições.

A imagem, segundo a curadoria do pequeno Museo Merced, de Santiago, representa San Pedro Pascual e seria de autor anônimo de Lima, no Peru. Mas mesmo um exame leigo na estátua, no entanto, mostra um gigantesco leque de coincidências com aquilo que se convencionou chamar de estilemas do Aleijadinho (detalhes da escultura que funcionam como uma assinatura do autor).

Já em São Paulo, o empresário Renato Whitaker Machado, maior colecionador privado de obras do Aleijadinho do País, ao ver as fotos do santo do museu chileno, ficou entusiasmado. “Eu diria que tem 95% de chance de ser um Aleijadinho”, afirmou. “Os sapatos saindo das vestes, certos ângulos retos, as sobrancelhas, a barba bifurcada, o nariz: tudo leva a crer que é um Aleijadinho, mas tem de fazer alguns testes, trazer uma lasca da madeira para o Instituto de Pesquisas Tecnológicas para definir a procedência”, diz o colecionador.

“Mexe com a gente, falar que não mexe é mentira”, diz o especialista Marcelo Coimbra, de Itu, que também examinou as fotos e até se dispõe a ir a Santiago para examinar a imagem. Coimbra acha que “o rosto é muito expressivo, tem muitos estilemas próprios do Aleijadinho; as orelhas são muito boas, mas aquela repintura muito grossa pode estar escondendo estilemas”. Ele vê o corpo da imagem como mais próxima do barroco espanhol. Pela foto, ele ainda não aposta na possibilidade, mas salienta: “Uma discussão sobre o barroco brasileiro nunca está liquidada.”

 

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“Não é só dizer que tem todos os estilemas de uma obra do Aleijadinho, tem de encaixar em uma das fases da vida dele”, disse o expert Márcio Jardim, que (com Coimbra) acaba de concluir o Catálogo Geral da obra do escultor. “É uma análise de mão dupla, tem de ver se ela se encaixa em alguma das 5 fases da obra do Aleijadinho.”

Jardim é peremptório: não pode ser um Aleijadinho. Isso porque, embora hajam as coincidências, a peça não se encaixa nas fases que ele mesmo definiu (leia abaixo) como determinantes. O problema da imagem chilena é justamente sua exuberância. “Ela não tem defeitos, é absolutamente barroca e equilibrada. É exuberante, não é triste, e tem uma roupagem muito rica, mística. Está viva, parece se mexer.” Pela maturidade, pertenceria às quarta ou quinta fases da obra do Aleijadinho, mas isso seria impossível. “Nessa fase, ele é contido, as linhas retas predominam, é mais triste. E é mais rococó.”

Jardim lembra que Francisco Xavier de Brito, o mestre português que ensinou ao Aleijadinho, possui características idênticas, justamente por ser o mestre, e são passíveis de serem encontradas esculturas de Brito que são erroneamente atribuídas ao ícone do barroco.

Uma peça do Aleijadinho desse porte, caso seja efetivamente do mestre, valeria em torno de US$ 500 mil (ou quase R$ 1 milhão). O santo anônimo de hoje não valeria mais do que R$ 80 mil.

O Museo Merced está sendo simpático à ideia de fazer um exame mais detalhado da obra, para determinar se por acaso não é procedente de Minas Gerais. “Será uma façanha”, disse Rolando Baez, curador do museu. O Estado pediu autorização ao frei Ricardo Morales, diretor do museu, para que se possam fazer algumas experiências, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.

 

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Fonte: Estadão 

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