Silvio de Almeida: “Racismo faz parte do modo com que se estruturam as relações sociais no Brasil”

Silvio de Almeida, Presidente do Instituto Luiz Gama participará, na próxima sexta-feira (14), do seminário “A Periferia no Centro: cultura, narrativas e disputas”, organizado pela Fórum

Por Anna Beatriz Anjos na Revista Fórum

O advogado Silvio de Almeida, professor das universidades Presbiteriana Mackenzie e São Judas Tadeu e presidente do Instituto Luiz Gama, também participará, na próxima sexta-feira (14), do seminário “A Periferia no Centro: cultura, narrativas e disputas”, promovido pela Fórum, em parceria com a Secretaria de Cultura da Prefeitura de São Paulo, e com apoio do SPressoSP e iG. Militante de longa data do movimento negro, é um dos mais importantes atores na discussão e combate ao racismo no Brasil.

Ao lado de Débora Maria (Mães de Maio), Douglas Belchior (UNEafro Brasil) e Dennis de Oliveira (professor da ECA-USP), Almeida debaterá a violência nas periferias. Ela é, em sua avaliação, resultado de uma política de segurança pública falaciosa, que, na verdade, “é uma política sistemática de assassinato de jovens negros e pobres”.

Confira, na entrevista que concedeu à Fórum, uma amostra do que será discutido no encontro (para participar , inscreva-se aqui).

Fórum – Qual a relação entre racismo e violência policial? A PM age, realmente, de forma seletiva?

Silvio de Almeida – O racismo é um elemento que faz parte do próprio modo com que historicamente se estruturam as relações sociais no Brasil. Não se compreende o Brasil, em seus aspectos políticos, econômicos e até mesmo jurídicos, sem a análise do racismo. Por este motivo não é surpresa que as instituições, dentre as quais a polícia, “funcionem” a partir da clivagem racial. A policia como parte do aparelho repressivo do Estado, por óbvio, coloca-se como ponto de lança do processo de violência que ao fim e ao cabo servirá para manter a estratificação social que se funda em diferenças de classe e de raça.

Fórum – Na sua avaliação, quais são os caminhos a serem seguidos, nas esferas institucionais e civis, para que o modelo de segurança pública brasileiro seja transformado?

Almeida – Em primeiro lugar, é necessário que se discuta o que é “segurança pública”, e esse debate tem que ir além dos espaços institucionais. Espaço público não é necessariamente espaço institucional. O que chega à maioria das pessoas é que segurança pública se reduz à repressão policial. E esse discurso, propagado em especial pelos meios de comunicação de massa em conluio com as “instituições”, é que tem “normalizado” e até legitimado a morte de milhares de jovens negros nas periferias deste país. As maiores vítimas da “segurança pública” têm sido os jovens negros, as mulheres e os gays. Eles têm morrido aos montes, todos os anos. E paradoxalmente o maior responsável por esse descalabro tem sido os os agentes do Estado encarregados da segurança pública. Desse modo, acho que temos que mostrar o quão falaciosa é a política de “segurança pública”, que na verdade é uma política sistemática de assassinato de jovens negros e pobres.

Temos que desmilitarizar a polícia, como medida urgente; temos que rever as políticas de encarceramento que só servem a interesses escusos; temos que rever a política de drogas; temos que tratar segurança pública com políticas de redistribuição de riqueza, reocupação dos espaços públicos que vêm sendo privatizados, acesso à moradia, acesso à educação e aumento da participação política. Isso para mim é “segurança pública”. O resto é naturalização do genocídio jovens negros e pobres.

Fórum – Por que, na sua opinião, é importante discutir a cultura de periferia neste momento?

Almeida – O que geograficamente se pode chamar de periferia hoje é o centro do que de mais vivo e original se tem produzido no campo da cultura. É no campo cultural que se constroem as narrativas legitimadoras da ação política. A cultura forma subjetividades. Quando a periferia se apropria disso é como se ecoasse um grande “não”. Um “não” à miséria, à violência, ao racismo, ao machismo e à homofobia. A produção cultural periférica carrega as energias que nos impulsionam para uma realidade renovada.

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