A execução de Marielle Franco (PSol) interrompeu uma trajetória política promissora. Mulher negra, lésbica e moradora de favela, Marielle era referência na defesa dos direitos humanos e fazia sua voz ecoar por todo o Rio de Janeiro, onde foi a 5ª vereadora mais votada nas eleições de 2016.
Marielle e o motorista Anderson Gomes foram mortos no dia 14 de março. Passados 4 meses, o crime continua sem solução. Naquela noite, a vereadora acabava de sair do evento “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, na Casa das Pretas, onde havia debatido empreendedorismo e ativismo.
“O mandato de uma mulher negra, favelada, periférica, precisa estar pautado junto aos movimentos sociais, junto à sociedade civil organizada, junto a quem nos fortalece naquele lugar onde a gente não se reconhece, não se encontra, não se vê”, disse Marielle a uma plateia de mulheres negras.
O País precisa desesperadamente de novas lideranças, que dialoguem com segmentos da sociedade. As regras eleitorais dificultam isso ao máximo.Luiz Carlos dos Santos Gonçalves.
A vereadora falava da sub-representação das mulheres negras nos espaços de poder. Eleita com 46.502 votos, sua vitória pode ser lida como exceção à regra. De acordo com levantamento da BBC Brasil, Marielle foi uma das 32 mulheres negras eleitas vereadoras nas capitais brasileiras em 2016. O número representa apenas 3,9% de um total de 811 vereadores eleitos nas capitais.
Para Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, procurador regional eleitoral em São Paulo, “as regras eleitorais vigentes dificultam a renovação” parlamentar. Com menos tempo de campanha e menos dinheiro circulando, continua ele, a renovação do Congresso Nacional e das assembleias legislativas deve ser ainda menor nas eleições 2018.
“Eu digo que esta é uma eleição para reeleger, e não para eleger novas pessoas. A campanha foi muito encurtada, e as novas lideranças não terão tempo de se apresentar para a sociedade e disputar a preferência do eleitor”, diz o procurador em entrevista ao HuffPost Brasil.
“O País precisa desesperadamente de novas lideranças, lideranças autênticas, que dialoguem com segmentos da sociedade. As regras eleitorais dificultam isso ao máximo. Uma candidata como a Marielle teria dificuldade de se eleger nestas eleições”, completa Gonçalves. “É muito raro furar esse bloqueio. Acontece, mas é raro.”
O tempo de propaganda oficial foi reduzido à metade a partir de 2016, quando a campanha passou a ter cerca de 45 dias, e não mais 90. A medida, aprovada na reforma eleitoral de 2015, foi uma das soluções encontradas para reduzir os custos das campanhas após o fim das doações de empresas, proibidas naquele mesmo ano pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
“Os recursos financeiros sumiram da campanha. Então houve grande preocupação dos parlamentares em realizar eleições mais baratas, e é por isso que tivemos a redução do tempo de propaganda e uma série de outras limitações”, afirma o procurador. “No final das contas, isso acaba favorecendo quem já está [no poder].”
Apesar dos obstáculos impostos por aqueles que se interessam na manutenção do status quo, a revolta com o assassinato de Marielle sacudiu a cena política do País e há uma série de pré-candidatos interessados em resistir à onda conservadora e defender bandeiras como feminismo, direitos humanos e desmilitarização da polícia. Um desses novos movimentos inspirados na luta de Marielle é o Ocupa Política.
Representação feminina
O dinheiro e a exposição no rádio e na TV são elementos que costumam decidir as eleições no Brasil.
A fim de reduzir os efeitos de uma distorção de gênero histórica, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) determinou que 30% dos recursos do Fundo Eleitoral devem ser gastos em candidaturas femininas. O chamado “fundão” é abastecido com dinheiro público (R$ 1,7 bilhão para as eleições 2018) e foi criado para compensar o fim das doações de empresas.
O mesmo vale para o Fundo Partidário: pelo menos 30% dos recursos que eventualmente forem usados para financiar campanhas devem ser repassados às mulheres.
O procurador diz ser a favor do financiamento público, mas critica a falta de regras para a utilização do Fundo Eleitoral.
“A sociedade está dando muito dinheiro aos partidos, e as lideranças partidárias vão poder utilizar esses recursos como bem entenderem, pois a lei não estabeleceu critérios de divisão entre os candidatos. A única restrição partiu do TSE, ao dizer que 30% devem ir para candidaturas femininas. Isso foi um avanço.”
A Procuradoria Regional Eleitoral vai fiscalizar o cumprimento da regra junto aos partidos e, para isso, conta com a colaboração da sociedade.
“É muito importante que o cidadão se comunique conosco. Temos um site para o recebimento desse tipo de denúncia [candidatas-laranja] e também denúncias relativas a discurso de ódio e notícias falsas”, ressalta o procurador.