O Cais do Valongo, maior porto de entrada de negros escravizados na América Latina, recebeu nesta sexta-feira (23) o título de Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O sítio arqueológico fica na zona portuária do Rio de Janeiro e foi descoberto em 2011, durante escavações das obras do Porto Maravilha.
por Jéssica Antunes da Agência Brasil
Para a representante da Unesco no Brasil, Marlova Noleto, a entrega do título não se trata de um prêmio, mas de uma forma de reforçar a responsabilidade do Poder Público em preservar a memória e cultura afro-brasileira.
“Relembrar a importância do conhecimento da história para superar a discriminação e desigualdades é fundamental e esse sítio sensível só tem comparação, em paralelo, com o sítio do Holocausto. São eventos da história e da humanidade que a lista do patrimônio mundial da Unesco ajuda a relembrar, e ao relembrar a gente pode dizer ‘nunca mais’. Nunca mais porque a humanidade não pode assistir silenciosa tamanhos atos de violação de direitos humanos, quer seja pela cor da pele ou por crenças religiosas”, declarou.
As placas simbólicas foram entregues para representantes de instituições federais, estaduais e municipais e para membros da sociedade civil, durante um seminário em homenagem ao Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro.
O objetivo da cerimônia é debater os desafios de gestão e interpretação do Cais do Valongo e fazer uma reflexão sobre a necessidade de se avançar no processo de gestão compartilhada do sítio.
A notícia não podia ser melhor na semana em que se comemora o Dia da Consciência Negra (20 de novembro) e veio acompanhada de outra: o governo dos Estados Unidos oficializou investimentos de US$ 500 mil (cerca de R$ 2 milhões) em obras de recuperação e conservação do sítio arqueológico. A parceria foi assinada na quarta-feira (21), pela missão diplomática dos Estados Unidos no Brasil, por meio do consulado geral norte-americano no Rio de Janeiro, o Instituto de Desenvolvimento e Gestão (IDG), a Prefeitura do Rio e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O aporte dos US$ 500 mil para o desenvolvimento do projeto se dará com recursos do Fundo dos Embaixadores dos Estados Unidos para a preservação cultural. Em um primeiro momento, serão realizadas obras de restauração, que deverão durar cerca de dois anos, envolvendo o pavimento original de pedras do cais, de drenagem das águas da chuva e de reforço estrutural nas paredes, fundações e estrutura do sítio.
O objetivo é que as ruínas do cais, onde aportaram grande parte dos milhares de africanos escravizados trazidos para o país e para o continente, funcionem como um museu a céu aberto, preservando a sua estrutura e respeitando os valores artísticos e histórico do sítio.
História
Segundo estimativas, cerca de 1 milhão de negros chegaram ao continente desembarcando no Cais do Valongo, construído em 1811 e aterrado em 1911. Por sua magnitude, o local pode ser considerado o lugar mais importante de memória da diáspora africana fora da África.
O sítio foi inscrito na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco em 2017 e recebe hoje o título oficial. Segundo a Unesco, o Cais foi incluído na lista por atender o critério VI do Guia para a Implementação da Convenção do Patrimônio Mundial que diz respeito à ligação do local a acontecimentos e tradições vivas, ideias ou crenças, obras artísticas e literárias de significação universal excepcional.
Para a Unesco, o Cais do Valongo é um sítio arqueológico sensível, porque abriga memórias que remetem a aspectos de dor e sobrevivência na história dos antepassados dos afrodescendentes, que hoje totalizam mais da metade da população brasileira e marcam as sociedades de outros países do continente americano.