Um crime de ódio é registrado a cada 12 horas na cidade de São Paulo

A Polícia Civil registrou um crime de intolerância a cada 12 horas na capital entre janeiro de 2016 e agosto deste ano. Ataques de ódio contra negros, gays, imigrantes ou por motivações religiosas ocorreram com mais frequência na região central da cidade e foram cometidos, principalmente, por homens brancos e jovens.

por William Cardoso na Folha

O levantamento feito pela reportagem é baseado em dados fornecidos via Lei de Acesso à Informação e leva em consideração 1.091 crimes de intolerância no período, até 15 de agosto.

Todos os boletins de ocorrência que têm como motivação o ódio do agressor recebem uma marcação específica desde 2014. Ainda não há um registro distinto para a homofobia.

Os números mostram que oito entre os dez distritos policiais com maior incidência de crimes de intolerância estão na região central da capital, que concentra grande quantidade de imigrantes e muitos pontos de diversão e cultura da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros).

Principal palco da Parada Gay, a avenida Paulista lidera o número de delitos com essa característica, com 21 casos no período analisado.

Destaca-se o fato de que apenas 9% do total dos casos tenham sido registrados como discriminação, o que é previsto no artigo 20 da Lei Crime Racial e determina pena de dois a cinco anos de prisão. Por outro lado, 59% foram caracterizados como injúria, que prevê pena bem menor, de três meses a um ano de prisão.

PERFIL DO AGRESSOR E DA VÍTIMA

O perfil do praticante de crimes de ódio é bem definido. Seis em cada dez são homens e brancos. Com relação à idade, três a cada dez têm de 18 a 30 anos. Entre as vítimas, é mais variado, mas destaca-se o fato de que quatro entre dez atacados têm de 18 a 30 anos.

O jornalista congolês Christo Kamanda foi agredido por um grupo de homens na região central da capital, à luz do dia, no dia 30 de novembro do ano passado. Segundo Kamanda, as ameaças que recebe são tão frequentes como “a água que bebe todos os dias”.

Naquela ocasião, quatro pessoas o abordaram e ofereceram uma carona para levá-lo para casa. Isso foi às 10h de uma quarta-feira, na avenida Duque de Caxias, em Santa Cecília.

Kamanda conta que recusou a oferta, mas o grupo continuou insistindo até dar início à pancadaria. Um dos homens, com perfil atlético, carregava consigo um taco de beisebol, afirma o jornalista. “Eles me agrediram e fui para o hospital. Felizmente, nenhum exame deu problema.”

O jornalista diz que grande parte dos imigrantes europeus chegou ao Brasil na virada do século passado como refugiado econômico, e que uma parcela dos descendentes deles se tornou racista e homofóbica, “infelizmente, por falta de memória”. “Há muita hipocrisia. Precisamos quebrar esse mito de que o Brasil é um país acolhedor”, afirma Kamanda.

A delegada Daniela Branco, responsável pelo Decradi (Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), afirma que o crime de injúria racial é o mais comum.

“Os crimes que mais registramos são contra negros e nordestinos. Quem comete o crime de injúria é alguém conhecido, um vizinho, um colega de trabalho”, diz.

A injúria é registrada quando a ofensa é direcionada a uma única pessoa, e não ao grupo como um todo –a pena varia de um a três anos, com multa. Já o racismo ocorre quando a agressão é feita a toda uma raça –é um crime inafiançável, e a pena vai de três a cinco anos.

De forma geral, pessoas acusadas de praticar a injúria não admitem que são racistas, afirma Daniela. “Todos os suspeitos de cometer injúria afirmam que era uma brincadeira.”

CULTURA DA SUPERIORIDADE

Diretor da Adus (Instituto de Reintegração do Refugiado), Marcelo Haydu diz que têm crescido manifestações de intolerância contra a vida de refugiados e imigrantes negros no Brasil.

“O problema para essas pessoas não é a vinda de estrangeiros, mas quem são esses estrangeiros. É um recorte claro contra raça e religião, contra os imigrantes negros de países pobres.” Segundo Haydu, desemprego em alta e instabilidade política e econômica são combustíveis para o crescimento do ódio contra eles.

Professor de direitos humanos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Adilson José Moreira afirma que o discurso de ódio tem sido usado de maneira estratégica para fins políticos, aproveitando a insegurança de parte da população, em vários países. “Toda a campanha de Donald Trump [presidente dos EUA] foi construída assim.”

“É necessária uma transformação no campo cultural, eliminar da cabeça das pessoas de que são melhores por serem brancas, homens e heterossexuais”, diz.

O analista de atendimento Marcos Paulo Calixto Siqueira, 25, diz ter sido agredido por seguranças de uma casa LGBT em abril de 2016. Teve o braço direito quebrado e foi xingado por ser gay. As agressões começaram após uma discussão envolvendo uma pulseira que dava direito a bebidas de graça.

“Acabou quebrando, mas eles sabiam que eu tinha passado a noite inteira lá”, afirma. “Um deles disse que, se pudesse, quebraria minhas pernas.” Ele registrou um boletim de ocorrência e moveu processo contra a casa, que já não funciona mais.

“A situação está piorando a cada dia. Ser agredido por não ter a mesma orientação sexual que a maioria das pessoas é um absurdo.”

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