Um debate sobre o Homem Negro Periférico

Essa reflexão é escrita para todos e ninguém. Ninguém por que partirei de reflexões introspectivas, e para todos por acreditar que muitos homens negros poderão identificar-se. A inquietação para escrita desse texto puramente reflexivo vem no sentido de contribuir para uma discussão pouco valorizada do ponto de vista político e acadêmico: O que constitui a subjetividade do homem negro e periférico?

Por Fagner Sobral envido para o Portal Geledés 

Imagem retirada da internet

Poderíamos voltar e fazer um apanhado histórico do período escravocrata até os dias de hoje, seria valoroso e acrescentaria bastante, principalmente para pontuar a animalização do corpo negro e como isso ainda está enraizado na construção dos estereótipos negros, mas como pretendo descrever algumas breves inquietações de uma noite de insônia, buscarei aprofundar posteriormente de forma mais colaborativa.

A questão que se coloca para nós, homens negros, e nossas dinâmicas cotidianas é constructo de uma sociedade racista. Nesse caso, é importante pontuar que mesmo essa reflexão curta e pontual, afasta-se da nossa construção de masculinidade heteronormativa. Somos ensinados a sobreviver, momentos de introspecção acerca de nossas relações são secundarizadas e ridicularizadas cotidianamente.

Para o homem negro periférico, compreender suas relações a partir de uma ótica descolonizada é um processo extremamente desgastante e cruel consigo mesmo, seja esse homem acadêmico ou não. A presença do discurso do colonizador está presente nas diferentes esferas institucionais, na universidade, por exemplo, o intelectualismo eurocêntrico não se esforça para compreender essas relações que são construídas em torno do homem periférico e seus laços afetivos, nem mesmo os paladinos do materialismo histórico dialético – majoritariamente brancos, e que nos objetificam como os “sujeitos revolucionários”.

Nossa construção histórica nos fez carregar estigmas e signos que demarcam nosso estereótipo até os dias de hoje, um processo de coisificação do corpo negro, um processo que demarca a distinção entre o “ser homem” e o “ser homem negro”. O racismo nos construiu homens sérios, que não externam problemas, tampouco transparece suas afetividades, mas por dentro, estamos destroçados. É justamente esse racismo que intensifica, muitas vezes, o machismo em nossos relacionamentos. Muitas vezes, tentamos preencher essa lacuna da objetificação, objetificando quem está nos acompanhando, como bem pontuou Tulio Custódio, no texto: Ser homem e negro é um rascunho inconcluso e constante.

Aqui, na periferia, lidamos com o discurso conservador massificado, sendo reproduzido, inclusive, por artistas periféricos, como retratam os respectivos artigos: É possível conservadorismo no Rap?; O Rap do Bolsonaro e a onda conservadora dentro do Hip Hop. São textos em que podemos pontuar mais estigmas que artistas negros –homens ou não, carregam para si, a cobrança militante desenfreada. Os negros, mesmo aqueles que subvertem o discurso conservador enraizado na periferia, não têm direito de errar, diferente dos artistas brancos, que compõem suas “verdadeiras músicas populares” no Leblon, enquanto sua empregada negra cuida das crianças.

A concepção de autoestima que lidamos cotidianamente é uma concepção da branquitude, muitas vezes estética, que nos inferiorizam ainda mais, ao tentar atingir essa concepção, nos deparamos com outro problema que Fanon pontua: nosso excesso de melanina é um problema para uma sociedade estruturalmente racista. Dessa forma, a ideia de autoestima que tentam nos impor, definitivamente não nos cabe. Se não somos vistos nem como seres humanos, como conseguiremos gostar do que vimos no espelho? Muitas vezes, o espelho é nosso inimigo. Precisamos resignificar o amor próprio. Precisamos falar sobre nós e nos amarmos.

** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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