Um quilombo na Câmara Municipal de São Paulo 

Enviado por / FontePor Bianca Santana, de ECOA

Elaine Mineiro. Debora Dias. Samara Sosthenes. Julio Cesar. Alex Barcellos. Erick Ovelha. Ativistas dos movimentos negro e das periferias. Estudantes, professores e coordenadoras de cursinhos populares. Sueli Carneiro. Douglas Belchior. Beatriz Lourenço. Vanessa Nascimento. E ainda mais lideranças. Um mandato coletivo motivado por valores ancestrais e comunitários, a serviço de quem permanece na base da pirâmide social da maior cidade do Brasil, ocupará uma das cadeiras da Câmara Municipal de São Paulo a partir de 2021.

Tomo emprestadas algumas das palavras da militante do movimento negro e historiadora Beatriz Nascimento, publicadas no artigo “O conceito de quilombo e a resistência cultural africana”, de 1985:

“Durante sua trajetória, o quilombo serve de símbolo que abrange conotações de resistência étnica e política. Como instituição guarda características singulares de seu modelo africano. Como prática política apregoa ideias de emancipação de cunho liberal que a qualquer momento de crise de nacionalidade brasileira corrige distorções impostas pelos modelos dominantes. O fascínio de heroicidade de um povo regularmente apresentado como dócil e subserviente reforça o caráter hodierno da comunidade negra que se volta para uma atitude crítica frente às desigualdades sociais a que está submetida”.

Somos quilombo na UNEafro, na Coletiva Emana, na Agência Solano Trindade, no Bloco do Beco, no Jongo dos Guaianás, no Samba das Pretas. Em Sapopemba, Cidade Tiradentes, Lajeado, Campo Limpo, Jardim São Luiz, centro. Nos movimentos culturais de periferia, nos saraus, terreiros, atendimentos em saúde, escolas de samba, encontros de educação popular. E agora seremos quilombo na Câmara Municipal de São Paulo.

“Ser quilombo na Câmara significa que o movimento negro e o movimento de periferia vão estar dentro da política institucional, levando nossas pautas históricas, nossas vivências, nossas quebradas para fazer essa disputa que é extremamente importante e que sempre nos foi negada”, me disse Débora Dias, co-vereadora do Quilombo Periférico aos 22 anos de idade, jovem negra, lésbica, estudante de ciências sociais na Universidade Federal de São Paulo, articuladora do Projeto Agentes Populares de Saúde, artista e pesquisadora da Coletiva Emana, coordenadora de núcleo da UNEAfro, onde foi estudante.

Se nas periferias de São Paulo faltam hospitais, creches, escolas, bibliotecas, teatros e cinemas, sobram viaturas e soldados armados para matar e encarcerar a população negra. Além de movimento social, que denúncia há décadas o genocídio negro, de dentro do poder legislativo o Quilombo Periférico trabalhará para desmantelar as políticas de morte e o racismo institucional na cidade. Assassinatos, encarceramento, violência contra a mulher, homo/lesbo/transfobia são, infelizmente, políticas conhecidas de perto, pelo Quilombo que se dedicará a interrompê-las. A educação popular praticada há décadas, será projeto de lei. A implementação efetiva do Estatuto da Criança e do adolescente será prioridade, bem como a ampliação das políticas culturais e descentralização dos recursos públicos da cultura. Fortalecimento do SUS e do Sistema Único de Assistência Social; das ações coletivas de enconomia solidária; de uma educação antirracista pela efetivação das leis. E este será só o começo.

“Aquilombar a Câmara hoje é levar toda a luta ancestral do povo preto, do povo periférico. Pela memória dos corpos assassinados pela polícia. Pela memória das famílais que perderam seus entes queridos por Covid-19. O movimento negro e o movimento de periferia estiveram a todo momento do lado certo da história. Ter um mandato que é do movimento é fazer história”, me emocionou Débora Dias.

Em 2018, pouco antes das eleições, quando este mesmo Quilombo concorria a uma cadeira na Câmara Federal por meio da candidatura de Douglas Belchior, escrevi: “Assim como nosso mais famoso quilombo acolhia, na Serra da Barriga, indígenas, brancos pobres ou quem mais vivenciasse situações de exclusão, nosso quilombo no Congresso Nacional estará a serviço de todas e todos. Falta pouco para a eleição. #FaremosPalmaresDeNovo. E a hora é essa.” Foi por muito pouco. Chegamos a celebrar a vitória antes de o coeficiente eleitoral, no meio da madrugada, determinar que a vaga pertencia a outro partido.

Neste 2020, #FaremosPalmaresdeNovo a partir da Câmara Municipal de São Paulo. Com a certeza de que nossos passos vêm de longe, que a caminhada é árdua, acontece em muitos lugares e formatos, mas que chegaremos.

Leia também: 

Quilombolas elegeram 56 representantes na eleição de ontem em dez estados — um recorde

Negros e mulheres avançam nas urnas e aumentam presença no 2º turno das eleições

Há esperança em um futuro com mulheres negras eleitas

+ sobre o tema

Cotas raciais e sociais:MEC abre inscrições para o ‘Sisu do ensino técnico’

São oferecidas quase 240 mil vagas em cursos profissionalizantes.Processo...

SP: Polícia mata, governo mente e movimento negro convoca protesto

*Charge de Latuff, especial para Campanha Contra o Genocídio...

Senado aprova prorrogação e ampliação da política de cotas para concursos públicos

O Senado aprovou, nesta quarta-feira (22), o projeto de...

para lembrar

Feira de Frankfurt nega racismo em escolha

O presidente da Feira do Livro de Frankfurt,...

PMs acusados de tortura e racismo são expulsos

Maigue Gueths - Redação Bonde Os dois policias militares...

Racismo na infância: terreno fértil para a violência

Ser uma criança negra no sul e sudeste. Eu...

Dwayne Johnson pede para museu de cera de Paris atualizar cor de pele de sua estátua após viralizar nas redes

Dwayne Johnson se manifestou oficialmente após as controvérsias sobre sua...
spot_imgspot_img

Desigualdade em queda

Numa mesma semana, o Brasil colheu um par de bons resultados para quem se interessa pelo combate à desigualdade. O Pnud/ONU informou que o país...

Senado aprova aumentar para 30% percentual de cotas no serviço público

O Senado Federal aprovou nesta quarta-feira (7) um projeto que amplia de 20% para 30% o percentual de cotas para pessoas negras em concursos públicos do...

A agenda ambiental e o homem branco sem identidade

São apenas quatro meses de 2025, parece pouco mesmo, mas já vivemos muitos anos em um. O Brasil na sua imensa complexidade, dessas que gringo...
-+=
Geledés Instituto da Mulher Negra
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.