No ano de estreia da regra que obriga os partidos políticos a distribuir de forma proporcional a verba pública de campanha entre os candidatos brancos e negros, os pretos e pardos tiveram um avanço na eleição para prefeitos, mas o desempenho ainda está longe de refletir o retrato da população brasileira.
O resultado das urnas mostra que 32% dos prefeitos eleitos no primeiro turno, em todo o país, se declararam negros (pretos ou pardos). Os brancos somaram 67%.
Os números do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), compilados pelo DeltaFolha, mostram um avanço em relação a 2016, quando os prefeitos eleitos brancos, no primeiro turno, somavam 70,4%, contra 29% de negros.
Apesar do crescimento, o resultado ainda está bem distante de refletir a divisão entre negros e brancos na população brasileira —56% são pretos e pardos— e entre os próprios candidatos lançados —50% foram negros, 48%, brancos.
Já em relação às mulheres, o avanço foi mais tímido no primeiro turno. Elas passaram de 11,7% do contingente de prefeitos eleitos em 2016 para 12,1%.
Um dado significativo, porém, mostra que cresceu de forma mais expressiva a presença tanto de mulheres como de negros nas disputas de segundo turno, ou seja, das maiores e mais importantes cidades do país.
Em 2016, ano das últimas eleições municipais, apenas 6 mulheres passaram para as disputas de segundo turno, ao lado de 108 homens. Agora são 20 mulheres e 94 homens.
No caso de pretos e pardos, eram 22 em 2016, ao lado de 92 brancos. Agora, 32 negros foram para o segundo turno, ao lado de 81 brancos.
Das dez maiores cidades do país, em apenas três a disputa foi resolvida neste domingo (15). Bruno Reis (DEM), eleito em Salvador, se declara pardo. Nas outras duas, a vitória foi de um homem branco —Alexandre Kalil (PSD), em Belo Horizonte, e Rafael Greca (DEM), em Curitiba.
As outras sete cidades terão segundo turno. Dentre os 14 candidatos nesses locais, há só uma mulher, Marília Arraes (PT), no Recife, e 4 negros.
Ao comentar nesta segunda-feira (16) o resultado das eleições, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmou que a política precisa entender o recado das urnas de uma ampliação da participação das mulheres, negros e minorias na política.
“Acho inclusive que, apesar de reconhecer que não era o melhor caminho, por ter sido na reta final, a decisão de abrir um espaço para cota de negro foi importante. No Rio de Janeiro a nossa experiência foi muito positiva, apesar de entender que aquela deveria ser uma decisão de lei, e não uma interpretação do judiciário brasileiro. Mas, muitas vezes, infelizmente a política fecha a porta e acaba que o judiciário abre a porta para que a sociedade possa ter maior participação na política”, afirmou.
Entre os prefeitos eleitos no primeiro turno há ainda sete políticos que se declararam indígenas —três da região Norte, dois do Nordeste, 1 do Sudeste e 1 do Sul—e 22, amarelos.
Apesar de os negros e as mulheres serem maioria na população brasileira, com 56% e 52% do total, respectivamente, são minoria nos principais postos de comando político do país.
Dentro da estrutura de chefia dos partidos políticos, também predominam homens e brancos, que demonstram forte resistência a mudar esse quadro. Conforme mostrou a coluna Painel, dirigentes de algumas das principais legendas já defendem que o Congresso promova uma revisão dessas regras.
O avanço observado nos últimos anos na tentativa de estimular mulheres e negros a ocupar postos de relevo na política nacional partiu principalmente do Judiciário, não do Congresso.
Em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral determinou que os partidos têm que destinar a bilionária verba de campanha eleitoral na proporção das candidaturas femininas lançadas, sempre em patamar superior a 30%. Agora, em 2020, foi a vez de o Supremo Tribunal Federal determinar que as legendas também façam a distribuição proporcional da verba entre candidatos brancos e negros.
Em ambos os casos, o Judiciário foi instado a se manifestar por meio de ação protocolada por parlamentares. No caso da cota racial, as cortes tomaram as decisões com bases em ações protocoladas pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) e o PSOL, entre outros.
Na atual eleição, pela primeira vez os candidatos pretos e pardos superaram os brancos em número —50% contra 48%. As mulheres também bateram recorde e ocuparam 33,6% das candidaturas.
Apesar disso, dois fatores precisam ser destacados. O primeiro é que nas principais cidades e nos mais importantes cargos em disputa o padrão de candidato continua sendo o homem branco, disparado.
Nos 95 maiores municípios brasileiros, que têm mais de 200 mil eleitores e concentram 40% da população, 8 a cada 10 candidatos a prefeito foram homens, com destaque para Norte e Nordeste. Se levada em conta a cor declarada da pele, 70% foram brancos, com maior prevalência no Sul.
O segundo ponto é que a análise da distribuição da verba eleitoral com base na prestação de contas feita pelos candidatos até agora mostra que os brancos continuam com mais de 60% da verba, sendo que os homens alcançam índice maior ainda, 73%.
Os números da distribuição do dinheiro ainda vão mudar, já quem nem todo o recurso público usado foi declarado pelos candidatos. As siglas dizem que estão se esforçando para cumprir as determinações legais, mas reclamam que a cota racial foi definida sem tempo hábil para adaptação e preparação. A reclamação se estende também à cota de gênero, cuja distribuição proporcional é regra desde 2018.
A falta de dinheiro e de empenho partidário real nas candidaturas de mulheres e de negros é um dos principais fatores apontados por estudiosos para explicar por que, na média, homens e brancos têm mais sucesso eleitoral.
Desde 2015 o financiamento público é a principal fonte de receita das campanhas políticas. Neste ano de 2020, o Fundo Eleitoral reservou R$ 2,035 bilhões para os partidos destinarem aos candidatos. Já o Fundo Partidário tem orçamento de R$ 959 milhões, mas só parte desse dinheiro pode ser direcionado para candidatos.
Cabe exclusivamente às cúpulas partidárias decidirem quem receberá o dinheiro, em qual quantidade e quando. Conforme a Folha mostrou, 80% da verba pública se concentrou na mão de apenas 2% dos candidatos.
Além da tendência de os caciques políticos priorizarem seus aliados mais próximos e políticos já estabelecidos, há ainda desvios, como o ocorrido no escândalo das candidaturas laranjas, em 2018.
Na ocasião, vários partidos, entre eles o PSL, legenda pela qual Jair Bolsonaro foi eleito, lançaram candidatas de fachada com o único intuito de simular o cumprimento da cota de gênero e desviar verbas para candidatos homens.
Alguns dos casos mais rumorosos, e que foram revelados pela Folha, ocorreram no PSL de Minas, controlado pelo atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e de Pernambuco, sob a alçada do atual presidente da sigla, Luciano Bivar.
Um ano após a conclusão das investigações da Polícia Federal sobre esses casos, eles ainda aguardam definição da Justiça e do Ministério Público para seguir adiante.