Um recado para Maria: não queremos mais voltar para o Brasil de Debret

Olhem as senzalas das telas de Debret”. Essa foi a justificativa de Maria Francisca Alves de Souza, de 58 anos, que insultou ontem um funcionário negro em um supermercado do Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro.

Por Edgar Maciel Do Brasil Post

“Volta para sua senzala” e “Volte para o seu quilombo” foram as primeiras frases depois que o funcionário negro se negou a prestar um favor para a cliente, pois estava ocupado – Ela queria que o funcionário buscasse um produto enquanto ela aguardava na fila do caixa.

Jean-Baptiste Debret foi um artista plástico francês que esteve no Brasil no começo do século 19. Ele conseguiu retratar muito bem como era a sociedade brasileira naquela época. Mostrou com clareza de que forma o negro era tratado naquela época: no tronco ou servindo a família da Casa Grande, como nesta tela:

Dona Maria, não queremos mais um Brasil escravocrata. Não queremos mais uma raça sendo escravizada, com seus direitos cerceados e sendo massa de manobra para servir a família tradicional da zona sul carioca. Não há mais espaço no Brasil para quem pensa em superioridade racial. Não há mais espaço no Brasil para quem mascara o racismo com a típica frase: “não foi isso que eu quis dizer”. O que a língua solta é o que o cérebro – bem lá no fundo – pensa e concorda.

O problema do racista é pensar que o negro ainda vai baixar a cabeça e fingir que nada escutou. Nada viu. Nada sentiu. Esqueceram, porém, que estamos mais empoderados do que nunca e cabeça baixa virou passado.

O funcionário que foi ofendido é o gerente do supermercado e foi identificado como Paulo Roberto Gonçalves Navaro, de 45 anos. Indignado com as ofensas, prontamente chamou a polícia. “Infelizmente é muito triste que hoje em dia aconteça isso”, afirmou.

Tentando se defender, a senhora ousou dizer que “senzala” e “quilombo” são, na visão dela, exaltações à raça negra. Sobre o “quilombo”, a mulher disse se referir a Zumbi dos Palmares, líder negro e, que segunda ela, é um “ícone da resistência negra”.

Em pouco mais de duas frases, conseguiu piorar o que já estava péssimo. O que não tinha conserto. O que não tinha perdão. Estudamos tanto na história mundial o Holocausto de judeus na Alemanha, mas nos esquecemos do nosso, guardado lá no fundo do empoeirado baú.

Mais de 13 milhões de negros escravizados morreram em navios negreiros, na senzala, no tronco ou até mesmo nas ruas das grandes cidades – esquecidos e isolados em um Brasil tão desigual.

O que Debret fez foi apenas retratar com tinta e pincel a visão de um Brasil assassino e racista.

Ontem, felizmente houve um princípio de confusão após as injúrias contra o gerente e logo em seguida gritos de “racistas” ecoaram no Leblon. A mulher, o gerente e outras testemunhas prestaram depoimento na delegacia do bairro.

A Polícia Civil classificou o crime como injúria racial e prendeu a agressora. Maria Francisca foi indiciada pelo crime de injúria, que é afiançável no Brasil. Não pagou a quantia e foi levada para o Complexo Penitenciário de Bangu, na zona oeste do Rio.

Nesta segunda haverá uma audiência de custódia no Tribunal de Justiça do Rio. Até quando Maria ficará presa não sabemos.

Mas se pudesse deixar um recado para ela seria: Maria, eu não quero voltar para o Brasil de Debret.

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