Uma manifestação à sombra do nada

As notícias do domingo não foram nada positivas para a oposição ao governo Dilma. Os manifestantes e a imprensa que cobriu os eventos da “passeata democrática” enxergaram mais espaços vazios no atribulado e frívolo trote de pernas brancas sobre as calçadas nobres deste país. E o descontentamento visível – senão uma patologia do ódio – resultou em extremados, violentos e indignos posicionamentos de uma manifestação dita democrática. Porque a expressão “dar um tiro na cabeça” é tão feia, assustadora e assombrosa que nos remete a um período lamentável da história brasileira. O discurso destas manifestações não se altera: é uma referência explícita, mesmo que pontual, ao golpismo e à intervenção militar que agora adquiriu até constitucionalidade. Vexatório.

por Mailson Ramos via Guest Post para o Portal Geledés

Os políticos e os grupos midiático-hegemônicos que convocam as manifestações costumam não comparecer aos eventos; nem mesmo em São Paulo, onde se aglomera uma turma reacionária e conservadora, é possível ver um simples deputado da oposição arrastar seus sapatos pelo asfalto da Avenida Paulista. Pegou mal da última vez sair nas manifestações, protestar contra a corrupção e ser indiciado por corrupção alguns dias depois. A estratégia não agrada e o medo de que o tapete seja revirado preocupa os paladinos da ética. É melhor observar a caravana do alto de suas coberturas, as mãos enfiadas na água e o discurso de Pilatos na ponta da língua, especialmente quando as manifestações começam a representar um fiasco.

A manifestação de direita é natimorta: a oposição não dialoga, exige; a direita não está acostumada a ir às ruas para protestar; o discurso é pobre e sem ideias mais profundas para melhorar o país; grandes nomes dos principais partidos da oposição estão envolvidos ou são citados em esquemas de corrupção. Para os manifestantes, basta gritar o mantra “fora Dilma” e tudo está resolvido como num passe de mágica. Não existe um modelo perfeito de como se manifestar democraticamente, com bases firmadas em reivindicações sérias e reais. Mas se existir um modelo, ele passou longe da aglomeração dos “bem nascidos”. É em São Paulo, onde ocorre uma das maiores greves de professores estaduais do Brasil, que as manifestações têm seus ânimos acirrados. Propositalmente a greve tem sido suprimida no noticiário das grandes emissoras de TV e sequer aperece em qualquer referência dos manifestantes. Isso se chama indignação seletiva.

Salvador, domingo de chuva, clássico entre Bahia e Ceará pelas semifinais da Copa do Nordeste. Alguns gatos pingados foram até a Barra. Naturalmente gritavam ao mesmo tempo “fora Dilma” e “bora Bahêa”. Não há muita expectativa em torno de uma manifestação que não apresenta ideias. Queriam estar na Fonte Nova, mas cederam à indelével satisfação de xingar a presidente da República e desfilar numa passeata de reivindicações vazias. Do céu, os helicópteros da Globo avistavam grupos de andarilhos em movimento porque o calor era muito intenso na maioria das cidades. Estava tão quente que um grupo de manifestantes, no Rio de Janeiro, repousou sob a sombra duma árvore. Naquele sol causticante, somente uma árvore era capaz de cobrí-los. Não suas ideias, ideologias e reivindicações vazias.

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