“Uma voz feminina preta”

Desde que nos apropriamos do lugar de fala, e ousamos a bradar nossas dores e nossas lutas que temos que de momento a momento, nos deparar com a tentativa de silenciamento e descredibilização de nossos discursos com a justificativa de que são poucos acadêmicos ou “vivenciais“ demais. Quando se fala de feminismo negro e seus desdobramentos na sociedade não é difícil encontrar uma mulher preta que teve sua fala, desqualificada, tipificada como “raivosa” ou “afetada”.

Ora, mas qual fala isenta de afeto? Nem nos nossos maiores “credos” podemos imaginar um discurso sem intencionalidade, causalidade e suas “verdades”.

Porquê quando se trata de uma mulher preta a “orar” o controle sob o tom, volume e letra é tão voraz, se não com o intuito de silenciar? Já que enquadrar ou adequar se torna uma intenção distante diante da força para nos calar. “Não pode chorar”, “não pode gritar”, “não pode elevar o tom”, “não pode se emocionar”, “não pode se afetar”, onde o afeto é uma manifestação de humanidade, insistem em nos desumanizar.

Em uma realidade onde a voz trazida e muitas vezes traduzidas pela a academia, se intersecciona no “peito” de milhares de mulheres negras com força, pompa e experiência, afeto é compromisso, é fidedigno é direito e dever de um ser humano.

Exige-se dessas “vozes”, uma dessensibilização do que são, para que só assim possam ser validadas em falar de delas, um estado de “coisificação” onde a supressão de afeto é condição para uma voz “livre” de cerceio e passível de atenção.

Mas essa tentativa de massificação, dentre tantas lutas e resistência, amas de leite suprindo suas carências, nunca colou não “meu irmão” …

A afetividade corre toda, mesmo sendo taxada como a louca. Sabemos que o não sentir é que é a verdadeira questão.

Desqualificam nossas dores, não reconhecem nossos feitos, nos encarceram em massa, tiram o que nos é de direito e o discurso tem que ser livre de qualquer efeito?

Sim, porque afeto é também o efeito do ato discursado, vivido, encenado e ainda tentam nos retirar no início do primeiro ato? Quando a voz ainda trêmula se ajeita nas verdades que traz, e mesmo com medo sabe-se que não nos permitiremos voltar atrás.

Já nos viram como homens, já negaram a existência de nosso afeto, são violentos com nossas crenças, “demonizam” nossos credos. Parafraseando uma frase de seu discurso potente e cheio de afeto como diria Soujoner Truth, E eu não sou uma mulher?. A propósito uma mulher preta que pode estar na academia ou talvez subindo a ladeira, uma voz feminista preta, esta que hoje pode muito bem subir a ladeira e ter “status” de acadêmica, – se afeta menina essas mordaças não são brincadeira.

Se esta voz nos pertence, que nos apropriemos de todo pertencimento que carrega está voz, sua potência, alcance e afeto só se ensurdecerá ou se incomodara quem por acaso estiver vestindo a carapuça de algoz.

Se essa voz nos pertence, que se propague e que nos faça valer nosso direito de sermos corpos inteiros. Na academia, na periferia, nas “altas rodas”, ou no terreiro, que a voz feminista preta ecoe e afete outros corpos e outros afetos em tom de políticas públicas, de cirandas, de dialetos. Que ninguém pode nos calar isso está mais que certo.


Kelly Cristina Dias – Psicóloga e pós graduanda em Educação, Ciência e Tecnologia pelo Instituto Federal/ São Paulo


** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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