Os Estados Unidos e vários países da Europa – como Alemanha e Portugal – já começaram a vacinar crianças a partir de 5 anos contra a covid-19.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou em 16 de dezembro a aplicação da vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos. Agora, a imunização desse público, na prática, depende do Ministério da Saúde. Mas o ministro Marcelo Queiroga disse que o assunto só terá uma definição em 5 de janeiro.
Agências reguladoras e especialistas apontam que os benefícios da vacinação infantil contra covid superam eventuais riscos.
A seguir, conheça seis fatos a favor da vacinação infantil, segundo especialistas, além dos argumentos apresentados pelo governo federal até agora.
1. A vacina é eficaz e segura
A vacina é eficaz e segura para as crianças, segundo pesquisadores, agências reguladoras de diversos países (inclusive a Anvisa) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Estudo feito com crianças de 5 a 11 anos que receberam duas doses de vacina da Pfizer mostrou que elas tiveram uma resposta de anticorpos neutralizantes em concentrações similares às observadas em adolescentes e adultos de 16 a 25 anos.
E não foram observados eventos adversos graves associados à vacinação.
Esses dados são citados em carta conjunta das sociedades brasileiras de Pediatria, Infectologia e de Imunizações, na qual os médicos dizem que apoiam a vacinação infantil, visto que os benefícios superam eventuais riscos.
Os médicos destacam ainda que, além dos resultados dos testes clínicos, já é possível observar o que acontece nos Estados Unidos e em outros países que vacinam amplamente suas crianças.
“Temos hoje mais de cinco milhões de doses aplicadas desta vacina em crianças de 5-11 anos nos Estados Unidos e em outros países, com dados de farmacovigilância não revelando eventos adversos de preocupação”, destacam os pediatras e infectologistas.
2. A vacina é específica para as crianças
Quando se fala da eficácia e segurança da vacina para crianças, é importante destacar que se trata de um produto que é específico para este público.
A vacina da Pfizer aprovada no Brasil para crianças tem dosagem e composição diferentes daquela que já está sendo utilizada para os maiores de 12 anos.
O imunizante terá que ser aplicado em duas doses de 0,2 mL (equivalente a 10 microgramas, um terço da dos adultos), com pelo menos 21 dias de intervalo entre as doses. A dose infantil terá, também, menor concentração de mRNA (o componente da vacina que estimula a resposta do sistema imunológico).
Para facilitar a identificação pelos profissionais de saúde e pelos responsáveis e cuidadores das crianças, a tampa do frasco será diferente, com cor laranja.
3. Covid é risco para as crianças
Embora as crianças geralmente tenham riscos menores que os adultos mais velhos quando pegam covid, elas também podem ser vítimas da doença.
Ao justificar a necessidade de vacinar as crianças, o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos diz que elas podem desenvolver casos graves de covid-19 e que também podem ter complicações de saúde de curto e longo prazo desenvolvidas a partir da covid.
A carta dos pediatras no Brasil também lembra do risco: “A carga da doença na população brasileira de crianças é relevante, incluindo até o momento milhares de hospitalizações e centenas de mortes pela covid-19 no grupo etário em questão, além de outras já demonstradas consequências da infecção em crianças, como a covid longa e a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P), todas elas de potencial gravidade neste grupo etário”.
Nos Estados Unidos, foram quase 2 milhões de casos de Covid-19 de crianças de 5 a 11 anos – e as autoridades de saúde apontam que, “em algumas situações, as complicações da infecção podem levar à morte”.
A vacinação, segundo os especialistas, ajuda a evitar que as crianças adoeçam gravemente, mesmo que contraiam a doença.
A infectologista Raquel Stucchi diz, em entrevista à BBC News Brasil, que o principal argumento favorável à vacinação infantil é “impedir que a covid seja a doença que mais mata as crianças no nosso país”.
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) divulgou nota na qual diz que nenhuma outra doença imunoprevenível matou tantas crianças e adolescentes em 2021 quanto a covid.
“É importante destacar o alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS), que aponta que o público entre 5 e 14 anos é o mais afetado pela nova onda de Covid-19 na Europa e, apesar do menor risco em relação a outras faixas etárias, nenhuma outra doença imunoprevenível causou tantos óbitos em crianças e adolescentes no Brasil em 2021 como a covid-19”, diz o comunicado.
4. Efeito positivo para a educação
A imunização das crianças tem efeitos positivos não só para a saúde delas, mas também na educação, aponta o CDC.
“Vacinar crianças com 5 anos ou mais pode ajudar a mantê-las na escola e a participar com segurança de esportes, jogos e outras atividades em grupo”, diz o órgão.
No Brasil, crianças de 6 a 10 anos são as mais afetadas pela exclusão escolar na pandemia, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). De 5,1 milhões de meninas e meninos sem acesso à educação em novembro de 2020, 41% tinham de 6 a 10 anos de idade; 27,8% tinham de 11 a 14 anos; e 31,2% tinham de 15 a 17 anos.
A OMS – apesar de defender que não é urgente a vacinação de crianças e adolescentes (entenda abaixo) – destacou que esse grupo tem sido “afetado de forma desproporcional” na pandemia, com o fechamento de escolas.
“Além de ter a rotina afetada, os menores de idade acabam perdendo nestas situações acesso a serviços fornecidos pelas escolas, como refeições, apoio presencial no aprendizado, terapias da fala e medidas de saneamento e higiene”, aponta a ONU.
5. Proteção coletiva
Além da imunização das crianças, a vacinação infantil é importante para ajudar a proteger quem está em volta delas – inclusive outras crianças que ainda não atingiram idade elegível, por exemplo.
“Vacinar crianças pode ajudar a proteger os membros da família, incluindo irmãos que não são elegíveis para a vacinação e membros da família que podem estar em maior risco de ficarem muito doentes se forem infectados”, diz o CDC.
A epidemiologista Ethel Maciel aponta que vacinar as crianças também faz parte da estratégia coletiva de tentar reduzir a circulação do vírus e controlar a pandemia.
“Quanto mais pessoas vacinadas eu tenho – ou seja, quanto maior a cobertura vacinal -, mais consigo fazer o bloqueio da circulação desse vírus na população. Para conseguirmos altas coberturas vacinais no Brasil, precisamos de vacinar as crianças – elas também fazem parte dessa da conta”, disse à BBC News Brasil.
6. Ômicron acelera novos casos de covid no mundo
Se a pandemia parecia ter começado a ficar sob controle diante do avanço da vacinação, a variante ômicron veio reforçar a importância da imunização e o reforço de medidas preventivas – e levou alguns países a acelerarem a aplicação de doses de reforço, por exemplo.
Ela também impacta na questão da vacinação infantil, segundo Maciel. A epidemiologista diz que a ômicron – que está se alastrando rapidamente em muitos países – “faz com que a vacinação desse grupo seja mais importante”.
“Quanto maior a transmissibilidade – a capacidade daquela variante do vírus de se transmitir para o maior número de pessoas -, mais a gente tem que aumentar a cobertura da vacinação na população”, explica.
“Incluir crianças tem essa importância principalmente diante de variantes mais transmissíveis.”
OMS: Vacinar as crianças ‘não é urgente’
A OMS afirmou, em novembro, que as vacinas contra a covid-19 que receberam autorização de entidades regulatórias para serem aplicadas em crianças e adolescentes são seguras e eficazes para reduzir os impactos da doença nesses grupos.
A entidade, no entanto, defendeu que “não é urgente” vacinar esse grupo, ao afirmar que “crianças e adolescentes geralmente têm sintomas menos severos da covid-19 na comparação com os adultos”.
A OMS vem defendendo a equidade global no acesso às vacinas e pediu aos países que já atingiram uma alta cobertura vacinal para priorizarem a partilha de doses por meio do mecanismo Covax, antes de começarem a criar campanhas de imunização em crianças com baixos riscos de doenças severas.
Para Maciel, o posicionamento da OMS reflete a necessidade do organismo multilateral de pensar de forma global.
“A OMS cumpre o seu papel e está cumprindo muito bem”, diz.
“Pensando globalmente, precisamos não só ampliar cobertura no nosso país como nós precisamos que a cobertura esteja ampliada em todos os países – então nós precisamos sempre vacinar os mais vulneráveis primeiro.”
Stucchi diz que “a vacinação das crianças é importante porque elas também morrem – mas nos países onde a vacinação não se iniciou ou está se iniciando, temos que priorizar grupos que proporcionalmente morrem mais da doença – idosos e pessoas com comorbidades”.
Por que o Brasil não começou a vacinar crianças de 5 a 11 anos?
O sinal verde foi dado pela Anvisa em 16 de dezembro, mas o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que a decisão ficará para 5 de janeiro. Ele afirmou que a decisão da Anvisa “não é suficiente”.
“Sou a principal autoridade sanitária do Brasil e não abro mão de exercer as minhas prerrogativas”, disse o ministro.
Assim, embora a Anvisa tenha apontado evidências científicas para aprovar a vacinação infantil, o governo federal decidiu que vai aguardar consulta pública e audiência pública para tomar sua decisão.
Nesta semana, Queiroga disse que “a pressa é inimiga da perfeição”, ao comentar a vacinação de crianças. “Os pais terão a resposta no momento certo, sem açodamento.”
Para a infectologista Raquel Stucchi, “não ter pressa neste momento é colocar nossas crianças sob risco, é deixar que elas vivam em um ambiente inseguro”.
“Nós já temos milhões de crianças vacinadas no mundo, estudos científicos, estudos de vida real mostrando a segurança e eficácia das vacinas nessa faixa etária. Então a pressa existe para poder implementar a vacinação para nossas crianças e proteger as crianças, que no começo do ano a gente espera que possam estar com rotina normalizada, frequentando as escolas”, justifica.
A epidemiologista Ethel Maciel aponta que a Anvisa já tomou a decisão levando em conta parâmetros técnicos e científicos e diz que é o órgão que tem as condições de fazer esse tipo de avaliação.
Ela considera a decisão do ministro “equivocada” e diz que essa postura “coloca em xeque o nosso próprio programa nacional de imunização, construído a duras penas”.
Stucchi diz que colocar a decisão da Anvisa em consulta pública é “uma aberração”.
“Nunca colocamos a decisão de introduzir vacinas no nosso calendário em consulta pública. Temos comitês de especialistas que assessoram o programa de imunizações para decidir pela inclusão ou não de nova vacina – seja para crianças, adultos, idosos ou gestantes. Esta decisão espelha a vontade explícita deste governo em bloquear, dificultar a vacinação das crianças contra covid no Brasil”, diz a infectologista.
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