Cinquenta anos após as Nações Unidas terem oficializado o 8 de março como o Dia Internacional da Mulher, os direitos das mulheres e meninas enfrentam ameaças sem precedentes em todo o mundo. Níveis cada vez mais altos de discriminação, a redução de proteções legais e a diminuição do financiamento para programas e instituições que apoiam e protegem as mulheres compõem o cenário que o ex-secretário-geral da ONU Ban Ki-Moon (2007-2017) descreveu, ainda em 2014, como uma “pandemia” de violência de gênero. Apenas em 2024, um a cada quatro países retrocedeu no caminho para a igualdade.
Apesar dos avanços na promulgação de leis para mulheres nas últimas décadas, hoje elas ainda têm apenas 64% dos direitos legais dos homens – bem menos que os 77% calculados anteriormente. A cada dez minutos, uma mulher ou menina é morta pelo parceiro ou por um membro da família, e uma em cada três sofre violência física e sexual, tanto em casa quanto na rua. Somado a isso, segundo o Banco Mundial, as mulheres têm apenas 36% das proteções legais contra violência doméstica, assédio sexual, casamento infantil e feminicídio. Nenhum país no mundo concede igualdade de oportunidades para homens e mulheres.
— Recentemente, a Arábia Saudita, por exemplo, promulgou leis extremamente discriminatórias, exigindo legalmente que as mulheres obedeçam a seus maridos e as proibindo de viajar sem a permissão de um tutor masculino. O descumprimento da obediência ao marido pode resultar na perda de apoio financeiro. Além disso, o marido tem o ‘direito conjugal ao sexo’, o que equivale a uma autorização legal para o estupro — diz Shivangi Misra, assessora jurídica global da ONG Equality Now.
Não são casos isolados. Desde a Índia, onde o estupro marital ainda é legal, até os Emirados Árabes Unidos, onde as mulheres recebem uma parcela menor da herança em comparação a seus irmãos homens, desigualdades legais baseadas no sexo ou gênero persistem globalmente. Mali, Iêmen e Sudão também têm normas que exigem a obediência da esposa ao marido, e o Afeganistão é o único país no mundo que proíbe o acesso à educação de mulheres e meninas para além do ensino básico.
— Primeiro, o regime do Talibã proibiu as meninas de frequentarem as escolas. Depois, eles fecharam as universidades para elas, tiraram o direito ao trabalho, as proibiram de sair de casa desacompanhadas, de viajar, de ir a parques com suas famílias. Depois, também proibiram que meninas e mulheres fizessem compras, e até suas vozes não podem mais ser ouvidas. Eles decidiram que nem o som dos seus sapatos poderia ser escutado por um homem — relata a ativista afegã Mahbouba Seraj.
As consequências disso também são sentidas na economia. Fechar a lacuna de gênero no emprego e no empreendedorismo, por exemplo, poderia aumentar o PIB mundial em mais de 20%, e eliminar essa disparidade na próxima década dobraria a atual taxa de crescimento econômico. Considerando apenas os países de alta renda da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a maior participação feminina na força de trabalho em cargos de gestão poderia adicionar mais de US$ 7 trilhões à economia do planeta.
Se o ritmo atual for mantido, porém, levará mais de 100 anos para que as mulheres alcancem a paridade com os homens – tempo que pode ser ainda maior em economias em que há escassez de mão de obra. No México, por exemplo, onde a participação feminina na força de trabalho é baixa, de apenas 47%, uma maior inclusão de mulheres no trabalho poderia aumentar o PIB per capita de longo prazo em 26%. No Canadá, onde a inclusão já é alta (61%), o aumento estimado seria de apenas 3%.
Desafios para a inclusão
A falta de acesso a cuidados infantis de qualidade também limita a participação feminina na economia. Globalmente, as mulheres dedicam quase três vezes mais tempo ao trabalho doméstico não remunerado do que os homens, e mais de 40% das crianças – cerca de 350 milhões – não têm acesso a creches adequadas. Com o envelhecimento da população, essa carga tende a aumentar, uma vez que as mulheres também são as principais responsáveis pelos cuidados com parentes idosos.
— Existe uma relação positiva entre a representação política feminina e a adoção de leis que promovem oportunidades econômicas mais igualitárias. Um estudo recente indica que países com maior número de mulheres em cargos políticos tendem a aprovar mais leis que promovem a igualdade de oportunidades, resultando em empregos de melhor qualidade para as mulheres — aponta Natália Mazoni, advogada especialista em gênero e desenvolvimento do Banco Mundial.
No entanto, países onde vivem quase metade da população mundial tiveram eleições em 2024 – e as mulheres não registraram ganhos significativos, segundo o relatório Representatividade Importa, feito em parceria com as organizações Oliver Wyman Forum (OWF), Women Political Leaders (WPL) e o projeto Women, Business and the Law (WBL), do Banco Mundial. Com o ritmo atual de progresso, de acordo com o documento, deve levar 40 anos ou mais para que as mulheres alcancem paridade com os homens na representação política.
O México, onde no ano passado Claudia Sheinbaum tornou-se a primeira mulher presidente na História do país, está na pior posição (142º) entre os países da América Latina no último Índice Mulheres, Paz e Segurança (WPS, na sigla em inglês), o único que avalia conjuntamente inclusão, justiça e segurança femininas. Ele também aparece em primeiro lugar na lista dos cinco países com mais casos de violência política contra mulheres, acompanhado do Brasil, Nigéria, República Democrática do Congo (RDC) e Mianmar. Juntas, essas nações representam 43% dos casos registrados globalmente no relatório.
Acesso à Justiça
Os piores desempenhos apresentados no Índice WPS, porém, estão concentrados principalmente no Oriente Médio e Norte da África. Afeganistão, RDC, Iraque, Síria e Iêmen têm figurado entre os 12 piores no ranking desde a primeira edição da pesquisa, em 2017/18. No Afeganistão, mais de 90% das mulheres vivem em proximidade direta com conflitos, e os riscos de violência política são os mais altos do Sul da Ásia. Lá, onde o regime repressivo do Talibã tem institucionalizado normas cada vez mais restritivas, apenas 5% das mulheres – que são metade da população do país – têm acesso a uma conta bancária própria.
— Há um tripé compartilhado entre o Afeganistão e o Norte da África. Primeiro, uma leitura errada do Islã, com o uso da religião como justificativa para subjugar a mulher. Depois, a relação entre um baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o acesso limitado da mulher ao conhecimento, o que facilita sua manipulação frente à Justiça; e a falta de ONGs e sistemas societários que protejam os direitos dessas mulheres — disse Priscila Caneparo, doutora em direito internacional.
Mesmo entre países da União Europeia, que costumam aparecer em melhores posições no Índice, entre 40% e 50% das mulheres já relataram ter sofrido investidas sexuais indesejadas, contato físico forçado ou outras formas de assédio sexual no ambiente de trabalho, onde a parcela feminina também sofre mais preconceito. Segundo a ONU, metade da população mundial ainda acredita que homens são líderes melhores do que as mulheres.
— Ao limitar a participação econômica e social plena das mulheres, leis discriminatórias prendem milhões de pessoas em um ciclo de pobreza e dependência, tornando-as mais vulneráveis à exploração e aos maus-tratos — diz Shivangi, da Equality Now. — Promover os direitos das mulheres, por outro lado, impulsiona o progresso, e ainda assim eles continuam sendo restringidos em todo o mundo. É essencial responsabilizar todas as nações por seus compromissos e obrigações.