Violência obstétrica, uma forma de desumanização das mulheres

O fenômeno é muito mais comum do que a novidade da palavra parece sugerir: são muitas as mulheres que ignoram ter sofrido com isso

Por DEBORA DINIZ e GISELLE CARIN, no El País 

Foto:@_WILLPOWER_/Nappy

A expressão “violência obstétrica” ofende médicos. Dizem não existir o fenômeno, mas casos isolados de imperícia ou negligência médicas. O que aconteceu com a brasileira Adelir Gomes, grávida e forçada pela equipe de saúde a realizar uma cesárea contra sua vontade, dizem ser um caso extremo, escandalizado pelas feministas como de violência obstétrica. Não é verdade. A violência obstétrica se manifesta de várias formas no ciclo de vida reprodutiva das mulheres. Em cada mulher insultada verbalmente porque sente dor no momento do parto ou quando não lhe oferecem analgesia. Na violência sexual sofrida em atendimento pré-natal ou em clínicas de reprodução assistida. No uso de fórceps, na proibição de doulas ou pessoas de confiança na sala de parto. Na cesárea como indicação médica para o parto seguro. A verdade é que a violência obstétrica é uma forma de desumanização das mulheres.

A Venezuela foi o primeiro país a regulamentar legalmente a “violência obstétrica” como “apropriação do corpo das mulheres e do processo reprodutivo pelas equipes de saúde por tratamento desumanos”. A violência obstétrica reduz as mulheres ao processo reprodutivo: a um útero que se reproduz ou se recupera da reprodução. O fenômeno é muito mais comum do que a novidade da palavra parece sugerir: são muitas as mulheres que ignoram ter sofrido violência obstétrica, tamanha a naturalização dos maus tratos aos seus corpos. É comum as mulheres reescreverem suas histórias de parto e puerpério como de violência baseada em gênero após ouvirem a palavra violência obstétrica. É um coro de testemunho sobre o qual há carência de vocabulário.

São várias as táticas do patriarcado para o controle dos corpos femininos — desde o tabu da virgindade à criminalização do aborto. A violência obstétrica é, talvez, uma das faces mais ignoradas do regime moral de controle dos corpos pelo gênero. Expressões como “ser mãe é padecer no paraíso” ou “as mulheres são mais tolerantes à dor do que os homens” são formas cotidianas de justificar o sofrimento evitável como parte da natureza dos corpos. Não há destino biológico que justifique a violência obstétrica: ela é intencionalmente provocada nas mulheres ou negligentemente desencadeada pelo regime moral que as reduz ao processo reprodutivo como um dever e destino. Há muita dor no parto, mas não são as dores das contrações e da expulsão que transformam o rito de parir em um momento violento — a violência é causada pelo abuso do poder médico e pela alienação das mulheres do processo decisório.

Leia o artigo completo aqui 

+ sobre o tema

Travesti foi assassinada por incentivar mulher a denunciar o marido

A Polícia Civil já identificou o homem que matou...

Mulheres defendem poder e igualdade de direitos em seminário internacional

Os movimentos sociais contribuíram com a luta das mulheres...

Argentina reeduca homens violentos para coibir agressões a mulheres

Na tentativa de evitar a reincidência de casos de...

De estrelas e putas vidas

Talvez pouca coisa seja mais reveladora da hipocrisia e...

para lembrar

Travesti foi assassinada por incentivar mulher a denunciar o marido

A Polícia Civil já identificou o homem que matou...

Projeto Promotoras Legais Populares

O projeto PLPs tem como objetivo ampliar a capilaridade do...

Estupro dentro de casa

Comentando o “Se eu fosse você'' Por: Regina Navarro Lins, do...
spot_imgspot_img

A Justiça tem nome de mulher?

Dez anos. Uma década. Esse foi o tempo que Ana Paula Oliveira esperou para testemunhar o julgamento sobre o assassinato de seu filho, o jovem Johnatha...

Dois terços das mulheres assassinadas com armas de fogo são negras

São negras 68,3% das mulheres assassinadas com armas de fogo no Brasil, segundo a pesquisa O Papel da Arma de Fogo na Violência Contra...

A cada 24 horas, ao menos oito mulheres são vítimas de violência

No ano de 2023, ao menos oito mulheres foram vítimas de violência doméstica a cada 24 horas. Os dados referem-se a oito dos nove...
-+=