Violência Policial: A história se repete, até quando?

Morrem mais de 42 mil pessoas assassinadas por ano no Brasil das mais variadas formas, na sua maioria jovem que se encontra na faixa etária dos 14 aos 24 anos. Uma verdadeira tragédia que não se compara a qualquer conflito armado no mundo contemporâneo.

O mais grave, parte desta estatística é de responsabilidade de policiais que estão em trabalho ou a paisana. Eles que deveriam estar preparados para promover a segurança do cidadão, acabam cometendo assassinatos, tortura, abuso de poder, o que se configura no fenômeno sociológico chamado de violência policial.

O Núcleo Interinstitucional de Estudo da Violência e Cidadania analisa esse fenômeno há algum tempo. A conclusão é que ela tem várias motivações, variáveis e explicações que levam o policial a cometer violência ilegítima. Falta de preparo é uma delas e por falta de espaço não enumeraremos tantas outras. Policiais quando ingressam na corporação, no mundo todo, passam por provas de capacidade física e mental. Depois de aprovados iniciam sua preparação e formação para “defender a sociedade” e trabalhar na prevenção, repressão e investigação criminal. Nos currículos estão inclusas matérias importantes como: abordagem, uso progressivo da força, técnicas de imobilização de pessoas que resistem a prisão, tudo em conformidade com o preceito constitucional e sociológico do uso legítimo da força(violência). Há também a disciplina de direitos humanos que reforça o preceito constitucional no sentido de que é crime o abuso de poder, a tortura e formas degradantes de tratamento na aplicação da lei e da força policial.

Isto impede a violência policial? Se os policiais têm clareza destas normas e foram instruídos a obedecê-las, por que torturam ou cometem erros primários? O que fazer para reduzir a violência policial? Estas são perguntas que fazemos em nossos estudos, pesquisas e cursos de formação dentro das Academias de Polícia e na UFMT. Uma das nossas hipóteses é que na formação dentro das Academias de Polícia e na cultura policial o viés da repressão é muito mais reforçado do que a prevenção e o respeito às normais constitucionais e regulamentares da profissão. Muitos jovens que ingressam nas Policias, imbuídos pelo ideal guerreiro de combate a criminalidade, termos a nosso ver impróprios para a atividade de segurança da sociedade, acabam assumindo o papel de justiceiro ou da justiça com as próprias mãos.

Outra hipótese que se trabalha para explicar esses comportamentos violentos tem a ver com recorte da cor e da condição do cidadão na estrutura social. Negros, pobres, analfabetos, “desqualificados”, são reveladores de baixo prestígio social diante do olhar panótico do policial. Seria o preconceito contra negros que motivou a ação brutal e assassina dos algozes de Toni Bernardo? De protetores se transformam em algozes, conforme explica Foucault em relação às instituições totais e no âmbito da micro-física do poder.

Outra hipótese que se trabalha é com a questão da desumanização do policial. Cerca de mais de 70% dos conteúdos das grades curriculares reforçam a idéia de vigiar e punir, através da lei, e técnicas policiais de como evitar o crime. Isto acaba inferindo no resultado da ação, pois o policial ao agir não vê o “transgressor da lei” como cidadão, mas como inimigo do policial e da sociedade. Isso é o que chamamos de desumanização do policial, que por sua vez desumaniza o cidadão; sem direitos humanos. É como se o Estado e os agentes públicos tivessem mais direito que os membros da sociedade civil. Assim, se esquecem do fundamento ético do Estado e da própria lei. O que sobra disto tudo? A força bruta, o lado repressivo do Estado, que termina por anular o lado educativo, pedagógico e formador de condutas legalmente aceitas pela sociedade.

O resultado de tudo isto é a violência policial e o desrespeito ao paradigma da segurança cidadã que estamos tentando construir para um Brasil mais justo e sem violência, não importa a natureza e de onde vêm os algozes. O que fazer? Além de rever o paradigma da formação, a violência policial tem que ser repudiada, apurada as responsabilidades e punidos os responsáveis. O assassinato do ex-aluno de economia Toni Bernardo da Silva, 28 anos, cidadão Guineense e do mundo, não pode ficar impune.

A bandeira dos direitos humanos e da justiça, assim como da cultura da paz, não tem nacionalidade: é universal, planetária e inalienável.

Assinam:

Prof. Dr. Naldson Ramos da Costa – pesquisador de violência e segurança pública – [email protected]

Profa. Dra. Imar Domingos Queiróz – pesquisadora de Direitos Humanos – [email protected]

Profa. Ms. Vera Lucia Bertoline – pesquisadora de gênero, violência, homofobia e direitos humanos.

Fonte: Circuito Mt

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