“Vivemos em sociedades politicamente democráticas mas socialmente fascistas”, por Boaventura de Sousa Santos

Boaventura de Sousa Santos é doutor em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale (1973), além de professor catedrático jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e distinguished legal scholar da Universidade de Wisconsin-Madison. Foi também global legal scholar da Universidade de Warwick e professor visitante do Birkbeck College da Universidade de Londres.

 Por Boaventura de Sousa Santos Do Pensar Contemporâneo

É diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e coordenador científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. De sua vasta obra, destacamos Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos (São Paulo: Cortez Editora, 2013), A cor do tempo quando foge: uma história do presente – crônicas 1986-2013 (São Paulo: Cortez Editora, 2014), O direito dos oprimidos (2014) e A justiça popular em Cabo Verde (São Paulo: Cortez Editora, 2015).

Abaixo, reproduzimos trecho de entrevista concedida por Boaventura à revista IHU On-Line

Para onde vai a democracia?

O ideal democrático continua a captar a imaginação dos que aspiram a uma sociedade que combine a liberdade com a justiça social, mas na prática a democracia está cada vez mais longe deste ideal. Entre as opiniões que abordam este problema a partir da esquerda, há duas posições principais. Para uns, a democracia realmente existente está de tal modo descaracterizada que só por inércia ou distração se pode considerar como tal.

Vivemos em regimes autoritários que se disfarçam com um verniz democrático. É, por exemplo, a posição de Alain Badiou. Para outros, entre os quais me incluo, vivemos em democracias de baixa ou muito baixa intensidade que convivem com regimes sociais fascistas. Daí o meu diagnóstico de que vivemos em sociedades que são politicamente democráticas mas socialmente fascistas.

Ambas as posições partem da mesma ideia de que a democracia liberal, que sempre conviveu com alguma tensão produtiva com o capitalismo, sobretudo desde a segunda guerra mundial, está a deixar desaparecer essa tensão e a acomodar-se cada vez mais às exigências do capitalismo. Estas, como se sabe, pressupõem que a acumulação de capital e a sua rentabilidade devem prevalecer sobre qualquer outro objetivo. A diferença entre as duas posições não resulta apenas de diagnósticos diferentes. Reside também no impacto das biografias dos autores que as propõem. Eu, por exemplo, vivi parte da minha idade adulta em Portugal numa ditadura, o Estado Novo de Oliveira Salazar, e tenho vivido intensamente o período posterior à Revolução dos Cravos em 1974. Os brasileiros e as brasileiras de mais idade viveram uma situação semelhante marcada pelo regresso da democracia em 1985.

Para mim, há diferenças significativas entre uma ditadura e uma democracia de baixa intensidade. Mesmo assim penso que a democracia liberal, para sobreviver à agressividade do capital global dos dias de hoje e ao modo como ele arrasta consigo novas formas de colonialismo e de patriarcado, terá de ser refundada a curto prazo, para o que se necessita de uma Assembleia Constituinte originária. Esta necessidade é hoje cada vez mais evidente quando vemos o que está a suceder no país que sempre se autodesignou como a democracia mais antiga e mais consolidada da nossa época, os EUA. É cada vez mais evidente que a fraude eleitoral é constitutiva desse país, tal como o é a influência do dinheiro no processo político, algo que está para além da corrupção porque está totalmente legalizado. O fenômeno Donald Trump é apenas um sintoma de algo muito mais profundo e mais perigoso.

Sem uma profunda refundação da democracia, poderemos chegar à conclusão a curto prazo de que não é possível corrigir por via democrática as distorções cada vez mais grotescas dos processos democráticos reais, como, por exemplo, o golpe parlamentar-mediático-judicial no Brasil que fez descer a qualidade da democracia brasileira de maneira dramática. Se era antes de baixa intensidade, é agora de baixíssima intensidade.

Quando se chegar à conclusão de que por via pacífica e democrática não é possível corrigir tais distorções, teremos chegado ao grau zero da democracia. Espero vivamente que tal nunca aconteça, mas isto tem mais a ver com o meu otimismo da vontade do que com o meu pessimismo da razão.

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