‘Você não vê bailarinos ou diretores negros no mundo’, diz brasileira de companhia americana de balé clássico

Pedro Bial recebeu Ismael Ivo e Ingrid Silva, que contaram sobre suas trajetórias, responsabilidade artística e representatividade

Do Gshow

O Conversa com Bial desta segunda-feira, 7/10, recebeu dois grandes representantes da dança brasileira. De um lado Ismael Ivo, bailarino, coreógrafo e diretor do Balé da Cidade de São Paulo; do outro Ingrid Silva, bailarina do Dance Theatre of Harlem. No programa, eles contaram das dificuldades no início da carreira e da representatividade que buscam para inspirar jovens talentos.

Ingrid Silva no ‘Conversa com Bial’ — Foto: Reprodução/TV Globo

Ingrid, natural do Rio de Janeiro, contou um pouco sobre a oportunidade que teve de poder viver fora do país para aprimorar seu talento e da atuação de bailarinos negros nos grandes cenários. Ao falar sobre se apresentar pela primeira vez em seu país natal com o solo “Pássaro de Fogo”, ela fez uma reflexão sobre um projeto social voltado para a dança em Paraisópolis, região carente em São Paulo.

“Me dá uma vontade de chorar, porque é a nossa história. É a minha história!”

“Se eu não tivesse um projeto como esse que tivesse me dado oportunidade, se eu não tivesse um diretor, tivesse visto algo, talvez eu não estaria voltando para mostrar para o meu país o que é legal.”

“Voltar agora, com a minha companhia, dançando pela primeira vez como profissional no meu próprio país, é um ato de: ‘Sim, acredite nos seus sonhos. Sim, acredite no que você faz e ama’. Obviamente que vão ter dificuldades, sabe, não é fácil, você não vê diretores ou bailarinos negros no mundo. É raro!”

Ismael contou que é o primeiro negro na direção do balé da cidade de São Paulo e que a vontade de voltar ao Brasil após 25 anos morando no exterior foi algo que ele sentiu:

“Foi sem nenhum partidarismo, porque eu sou muito pela cultura, pela ação”.

Talento nato

No ‘Conversa com Bial’, Ismael Ivo falou sobre o início da carreira — Foto: Reprodução/TV Globo

No programa, Bial questionou a Ismael se ele acreditava que seu talento era nato. O coreógrafo explicou:

“Bial, mas eu notei muito na minha infância que alguma coisa vinha de dentro de mim e me transportava. Por exemplo, eu tinha mania de ficar, você falou sobre Orixá, girando, girando, girando até cair no chão, e entrar quase num estado de êxtase”.

“Delírio de Infância”
E foi na infância humilde na Zona Leste de São Paulo que Ismael se inspirou para criar o solo “Delírio de uma infância”:

“Foi uma associação de ideias, e como até hoje faço coreografia associando diferentes elementos e ideias convergentes, então, no delírio eu vejo ao meu redor, onde eu nasci, o que eu estou vendo e vivendo e ao mesmo tempo associando com a canção de Gustav Mahler, “Canções para uma criança morta”.

Alvin Ailey

Ismael foi revelado para o mundo através do coreógrafo e ativista afro-americano Alvin Ailey, fundador da Alvin Ailey American Dance Theater. No programa, o brasileiro contou sobre a experiência para Pedro Bial:

“Seria como um Vinicius de Moraes, um Tom Jobim. Um gênio, ou como você falou antes, um Orixá que baixou na América do Norte.”

Motivação

O bailarino também contou sobre os motivos que o tornaram um coreógrafo: “Pegar o corpo negro para o protagonista”.

“Os balés, normalmente, não tinham historicamente um papel onde o corpo negro poderia também ser protagonista. Então, eu resolvi, como coreógrafo, criar a minha própria versão desses papéis, para que eu pudesse, então, me exercer artisticamente”.

Vida fora do país

Bial questionou os bailarinos sobre as dificuldades no início da vida fora do país e de talentos não reconhecidos no Brasil.

“Inglês eu não sabia falar. Tipo, ao invés daquela galera que chega em Nova Iorque e fala: ‘Vou passar pela Times Square que é maravilhosa’, eu cheguei direto para a sala de aula depois do voo. Fiz aula e voltei. Comecei a morar com uma moça que trabalhava na escola. Ela morava no Brooklyn, então era uma hora e meia para voltar para a casa, uma hora e meia para vir”, contou Ingrid.

“O que precisa é oportunidade porque talentos existem”, contou Israel se referindo ao Brasil.

“Não tenho vergonha nenhuma de dizer: ‘Eu passei fome em Nova York’, porque a pequena bolsa de estudo que eu tinha chegava atrasada e eu não podia pagar meu aluguel e às vezes eu dependia do meu colega para poder almoçar”, explicou Ismael.

Carreira no exterior

“Olha, tem uma frase que eu sempre uso, Bial, e digo lá fora e aqui: “Para todo sempre, Macunaíma”, porque eu exatamente consegui criar uma carreira lá fora, sem me desprover do que eu sou enquanto negro, enquanto afro-brasileiro, enquanto pessoa, enquanto existência. Eu não precisei também virar alemão para poder viver e criar uma nova estética na própria Alemanha”, disse Ismael.

Arthur Mitchell

“Ele foi o primeiro bailarino negro no “New York City Ballet”, principal bailarino, único e histórico, e ele fundou o Dance Theatre de Harlem em 1969, e eu fui quando eu tinha 18 anos. A minha história com ele é bem incrível porque eu não entendia nada do que ele falava. Sabe quando você se comunica com a pessoa no olhar e você tem aquela energia?”, lembrou Ingrid.

Cultura como transformação

“A cultura é um elemento transformador de vida”, afirmou Ismael.

“Estamos vivendo um momento muito difícil nesse país, mas pra mim, o tema desse ano, na minha gestão do Teatro municipal é “Ainda e possível sonhar! Nós somos resilientes!”, contou o coreógrafo sobre as dificuldades da arte no país.

Pássaro de Fogo

A brasileira explicou para Pedro Bial como se preparou para o solo “Pássaro de Fogo”, um balé de Igor Stravinsky, que ela traz para o país junto com a companhia americana.

“Nós, como seres humanos, a gente olha o passarinho ali na janela e pensa: ‘Ah, que bonitinho, ele está só olhando’, mas a gente não tem essa movimentação do pássaro.”

“Eu ia pra frente do espelho e ficava. Toda vez que eu entro no palco e faço esse solo, eu sou um pássaro. Não é a Ingrid que está ali.”

Influenciadora digital
No programa, Ingrid também contou que usa as redes sociais para inspirar e mostra a outras pessoas sobre a vida de bailarina.

“Por que não usar dessa plataforma como um meio de inspiração? Compartilhar um pouco da trajetória de um bailarino, porque nem todo mundo compartilha isso. A gente não tinha isso no início, era só o foco na dança mesmo e porque não criar um laço com as pessoas que vivem em lugares que são longe? Não estão ali junto de você ou não podem ir ao teatro te assistir?”

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