O voto de mulheres negras no estado do Alabama, nos Estados Unidos, foi decisivo para a derrota do ultraconservador republicano Roy Moore – conhecido por seu ativismo religioso, apoiado pelo presidente Donald Trump e acusado de assédio sexual e pedofilia – na corrida por um assento no Senado norte-americano. Foi a primeira vez em 25 anos que um democrata, Doug Jones, venceu em um dos estados mais conservadores dos Estados Unidos.
O revés aconteceu na madrugada da quarta-feira 12, quando surpreendentes 98% das mulheres negras depositaram seu voto em Jones. O apoio dos homens negros ao democrata – e consequentemente a rejeição ao oponente conservador – também foi muito expressiva (93%). Os resultados contrastam com as escolhas da população branca, maioria dos residentes no estado, em que 72% dos homens e 63% das mulheres votaram em Moore.
A mobilização negra contra o republicano pegou muitos analistas de surpresa, ainda que a imagem de Moore tenha sido muito desgastada nas últimas semanas devido às mulheres que denunciaram comportamentos sexuais abusivos do conservador.
A mais grave delas, de pedofilia, é oriunda de uma reportagem do jornal The Washington Post, que revelou o envolvimento sexual do ex-magistrado evangélico com uma menina de 14 anos, além de outras duas de 16 e 18, quando o conservador se encontrava na casa dos 30.
O voto negro
A expectativa de que avalanche de denúncias desidratasse Moore no eleitorado feminino, porém, não se confirmou com relação às mulheres brancas: 63% delas ainda assim optaram pelo ultraconservador.
A situação ecoou a eleição presidencial de 2016, quando 95% das mulheres negras sem Ensino Superior votaram na democrata Hillary Clinton, enquanto só 34% das brancas sem diploma fizeram o mesmo. Quando observa-se o comportamento das mulheres com Ensino Superior, 91% das negras votaram contra Trump (e a favor de Hillary), enquanto 51% das brancas escolheram a democrata.
A vitória de Jones, que não havia empolgado inicialmente o eleitorado negro no estado, fez com que a hashtag #BlackWomen chegasse aos assuntos mais comentados do Twitter, com muitos agradecendo e creditando às mulheres negras a derrota de Moore. O discurso, porém, não agradou a todos.
“As mulheres negras não são mulas políticas para serem usadas todas as vezes que um candidato branco medíocre precisa vencer. Nenhuma quantia de gratidão verbal nos fará justiça. Entreguem o dinheiro, os recursos e o poder, então poderemos conversar”, criticou a ativista Charlene Carruthers no Twitter.
Black women are not political mules to be used every time a mediocre white candidate needs to win.
No amount of verbal appreciation will do us justice. Turn over the money, resources and power, then we can talk.
— Charlene Carruthers (@CharleneCac) 13 de dezembro de 2017
“Essa narrativa de que os votos negros ‘salvaram’ o Alabama implicaria que a maioria dos eleitores brancos – que são a maioria dos residentes no estado – queriam ser ‘salvos’ de Moore. Eles não queriam. Os eleitores negros estavam protegendo a si mesmos”, criticou a artista Bree Newsome.
This narrative about Black voters “saving” Alabama would imply that majority of white voters–the majority of people in the state–wanted to be “saved” from Moore. They didn’t. Black voters protected themselves
— Bree Newsome (@BreeNewsome) 13 de dezembro de 2017
Artigo publicado no site The Root lembra que as mulheres negras norte-americanas dificilmente recebem algum retorno positivo do establishment político: há apenas uma mulher negra no Senado (a democrata Kamala Harris) e elas só ocupam 3,6% dos assentos no Congresso.
Quem é Roy Moore?
Apelidado de “Juiz dos Dez Mandamentos”, Moore costuma exaltar valores conservadores e religiosos. Ele acredita, por exemplo, que a Constituição dos Estados Unidos “emana” do que está registrado na Bíblia, portanto, que a legislação precisa se adequar aos preceitos religiosos cristãos. Além disso, já fez declarações polêmicas sobre a escravidão nos Estados Unidos.
Questionado durante a campanha sobre em qual época a América foi “ótima”, em alusão ao slogan trumpista “Make America Great Again”, o republicano não se constrangeu em apontar:
“Acho que era ótima quando as famílias eram unidas – apesar da escravidão – eles cuidavam uns dos outros. As famílias eram fortes e o nosso país tinha um caminho”, afirmou, conforme relatado em reportagem do Los Angeles Times.
No mesmo evento, Moore referiu-se de maneira pejorativa aos americanos de ascendência indígena e asiática, chamando-os de “reds” e “yellows” (“vermelhos e amarelos”).
O jurista, eleito duas vezes chefe de Justiça na Suprema Corte do Alabama, foi também removido duas vezes de suas funções.
A primeira, em 2003, ocorreu quando ele desobedeceu uma medida judicial federal ao se recusar a retirar um monumento de granito em homenagem aos Dez Mandamentos do lobby do tribunal estadual. Já em 2016, recusou-se a aceitar a decisão da Suprema Corte americana de permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Agora, sua derrota demonstra os limites da estratégia trumpista de tratorar os adversários e descreditar informações desfavoráveis como “fake news”. Ao mesmo tempo, como aponta a ascensão da hashtag #BlackWomen nas redes sociais, revela a importância dos votos e da mobilização das mulheres negras no xadrez político americano.