Neste mês de agosto de 2024 celebramos a maioridade da Lei 11/340, Lei Maria da Penha, promulgada em 07 de agosto de 2006. Passados 18 anos arriscamos dizer que a maioria da população conhece (já ouviu falar) da lei.
Me lembro de uma questão de violência doméstica que envolvia um familiar próximo, lá pelos idos de 2014/2015, violência que foi denunciada pela vítima e minha avó, muito chateada, reclamou: ”Viu só? O Fulano foi parar na delegacia. A Fulana ‘chamou a Maria da Penha’ para ele. Não precisava de tudo isso”. Minha avó tinha 97 anos, à época.
Apesar de ser uma política legislativa amplamente conhecida e extremamente importante, fruto da luta do movimento feminista e da trágica experiência de violência doméstica sofrida por Maria da Penha Maia Fernandes — que, após as tentativas de feminicídio cometidas por seu ex-marido, tornou-se uma ativista pelos direitos das mulheres e deu nome à lei —, essa legislação não tem sido suficiente para conter a epidemia de violência que continua a assolar a vida de mulheres e meninas no Brasil.
A lei é considerada uma das mais avançadas do mundo, mas passados 18 anos o Estado brasileiro, não ofertou sua real implementação e falhou em colocar em prática medidas de prevenção, o aumento alarmante de feminicídios comprovam essa afirmação.
Embora na média, nos últimos 10 anos (2012-2022), tenha havido uma diminuição nos números de homicídio de mulheres registrados pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM, muito puxado pela queda de homicídio contra as mulheres não negras, em 2022, 3806 mulheres foram assassinadas, os indicadores de números de violência contra as mulheres continuam altíssimos.
Em 2023 houve um substancial aumento de todas as formas de violência contra as mulheres. Foram registrados 258.941 casos de agressões decorrentes de violência doméstica. Somente em 2023 as vítimas de feminicídio somaram 1467 casos, sendo que 63,6% eram mulheres negras, 71,1% tinham entre 18 e 44 anos e 64,3% foram mortas em sua residência. Ainda neste mesmo ano ocorreram 8.372 tentativas de homicídio contra mulheres. É um cenário estarrecedor.
Apesar dos avanços observados em relação aos direitos das mulheres, o Estado brasileiro ainda acumula falhas significativas na proteção e promoção desses direitos, especialmente no que diz respeito à violência doméstica e ao feminicídio. A Lei Maria da Penha, embora seja um marco legal fundamental e reconhecida, internacionalmente como uma das legislações mais completas de proteção às mulheres, ainda enfrenta barreiras em sua plena implementação. Essas barreiras incluem a falta de infraestrutura adequada para o atendimento às mulheres em situação de violência, a carência de recursos para a manutenção e ampliação de serviços de apoio e da rede de atendimento, e a ineficácia em políticas preventivas.
Além disso, a cultura machista enraizada na sociedade brasileira continua a perpetuar a violência de gênero, banalizando ou justificando atos violentos contra as mulheres. O preconceito e a falta de sensibilização para o tema ainda impedem avanços mais significativos. Enquanto o Estado não investir de forma contundente na educação em direitos humanos e para a igualdade de gênero, na formação de profissionais nestas temáticas, incluindo relações étnico-raciais para todas e todos essas/esses profissionais, inclusive operadoras e operadores do direito, capacitando-os para lidar com essas situações e combatendo o racismo institucional, o ciclo de violências dificilmente será rompido.
Portanto, ao celebrarmos os 18 anos da Lei Maria da Penha, é crucial não apenas reconhecer os avanços, mas também refletir sobre os desafios que ainda persistem. A luta pela efetivação plena dos direitos das mulheres, em especial de mulheres e meninas negras é contínua e exige o comprometimento não apenas do Estado, mas de toda a sociedade. O combate à violência de gênero deve ser prioridade, com a implementação de políticas públicas eficazes, que alcance todas as mulheres, a sensibilização social e o fortalecimento das redes de atendimento e enfrentamento à violência, para que possamos, finalmente, reverter esse cenário alarmante e garantir a segurança e dignidade de todas as mulheres e o direito de viver uma vida sem violência.
Maria Sylvia de Oliveira – advogada, coordenadora da área de Gênero, Raça e Equidade de GELEDÈS-Instituto da Mulher Negra