7 em 10 brasileiros admitem expressão preconceituosa

No entanto, apenas 20% dos entrevistados assumem ser racistas, machistas ou homofóbicos, segundo levantamento do Ibope

por Juliana Diógenes e William Castanho, no O Estado de S.Paulo

Jonathan Vicente univertitario 26 anos – Fala sobre os quatro tipos de preconceitos abordados na pesquisa AMBEV/IBOPE machismo, racismo, homofobia e gordofobia , FOTO ALEX SILVA/ESTADAO

De cada dez brasileiros e brasileiras, apenas dois assumem ser racistas, machistas ou homofóbicos, mas sete admitem já ter feito alguma declaração discriminatória pelo menos uma vez na vida. “Mulher tem de se dar ao respeito”, “não sou preconceituoso, tenho até um amigo negro” e “pode ser gay, mas não precisa beijar em público” são exemplos de comentários que expressam a reação da população diante da diversidade racial, de gênero, de orientação sexual ou estética.

“O brasileiro não tem consciência de que as coisas que diz demonstram preconceito”, disse Márcia Cavallari, diretora-executiva do Ibope Inteligência, responsável por mapear as práticas discriminatórias dos brasileiros em pesquisa inédita sobre preconceito realizada em todo o País entre os dias 16 e 21 de setembro deste ano.

O levantamento do Ibope encomendado pela Ambev-Skol, obtido com exclusividade pelo Estado, questionou se os entrevistados têm algum tipo de preconceito. De 2.002 brasileiros e brasileiras abordados pelo Ibope, 17% disseram “sim” – 83% responderam “não”. Em seguida, os pesquisadores apresentaram frases racistas, machistas, homofóbicas e gordofóbicas, e perguntaram a todos os entrevistados se já fizeram esses comentários (ver mais no quadro).

“As pessoas tendem a dar a resposta politicamente correta. Quando perguntamos diretamente se a pessoa tem preconceito, ela acha que não tem. Só que, quando apresentamos frases preconceituosas, o índice aumenta bastante”, afirmou Márcia. Do total de pesquisados, 73% admitiram ter falado frases como “mulher ao volante, perigo constante”, “ela tem cabelo ruim”, “isso é coisa de mulherzinha”, “ela é bonita, mas é gordinha”, entre outras.

A professora de inglês Lorena Monnerat, de 36 anos, já foi vítima de gordofobia e machismo. “O mais clássico é ouvirmos ‘Ela é linda de rosto’. Na maioria esmagadora das vezes, a pessoa não teve intenção consciente de ofender”, diz. “É muito chocante ver isso colocado como elogio. Ela acha que é elogio dizer que, do seu corpo, salva-se o rosto. O preconceito está arraigado. Quando você aponta esse preconceito, as pessoas ficam ofendidas, dizem que não tiveram a intenção”.

Para ela – que já foi obesa e hoje se considera somente gorda -, é preciso diferenciar gordofobia de pressão estética, caso em que as mulheres estão alguns quilos acima do peso. Lorena afirma que gordofobia é quando uma pessoa não consegue passar na roleta do ônibus, tem medo de sentar em uma cadeira porque acha que pode quebrar ou é “humilhado constantemente” por não encontrar roupa nas lojas.

“Só recentemente consegui comer em público. O prato do gordo é vigiado. Quando você é gordo, está no self-service e se levanta para pegar sobremesa, você tem a sensação de que todos estão olhando para você e para o tamanho do seu prato”, explica. Segundo a professora, uma mulher gorda é muito solitária. “Você entra em uma balada e ninguém olha para você. Você é preterida, invisibilizada. Existe muito essa dificuldade de se sentir desejada. É um problema de auto-estima gravíssimo”, afirma. 

Machismo. A pesquisa mostra ainda que, entre os preconceitos velados de brasileiros e brasileiras, o machismo é o mais praticado no País. Quando questionados sobre os tipos de discriminações mais presenciados, 61% dos entrevistados disseram ter ouvido ou dito um comentário machista.

Entre as manifestações mais comuns, lidera a frase “Mulher tem de se dar ao respeito”. Para a antropóloga Regina Facchini, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu (Unicamp), esse e os outros três comentários ouvidos com mais frequência estão ligados à desigualdade de gênero e têm a sexualidade da mulher como ponto de partida.

“É a distinção de mulher para sexo e mulher para casamento. Em tese, uma ‘mulher decente’ não seria vítima de sexismo. A vítima do sexismo seria a outra, a que não se dá o respeito, a que não é para casar. Mas esses limites entre a tal da mulher para sexo e para o casamento não estão muito claros. Isso significa que a qualquer deslize e a qualquer momento, toda mulher pode ser rebaixada para o patamar de indecente. É um risco que toda mulher corre durante a vida inteira”, explica Regina.

Racismo. Em seguida, o racismo é o tipo de preconceito mais praticado, segundo o Ibope – 46% dos entrevistados relataram ter feito ou ouvido uma declaração discriminatória em relação a negros.

O universitário Jonathan Vicentt, de 26 anos, diz perceber que negros sofrem o “preconceito velado”. Um exemplo disso é a vestimenta. Ele conta que um dia entrou em um shopping de luxo da capital paulista, de bermuda e regata, e percebeu “olhares diferentes” dos frequentadores. “São olhares de lado, atravessados. Elas cochichavam entre si. E essa não é uma questão de vitimismo negro. Havia pessoas brancas de bermuda e regata no shopping também e as pessoas não reparavam nos brancos com aquela mesma atenção”, diz.

“As discriminações são estruturais, não são manifestadas por atos conscientes. Não é necessário que a pessoa se declare racista ou machista, manifestações frequentes podem ser observadas. Há a naturalização de certos grupos em patamar de inferioridade. Esses dados podem sugerir tecnicamente saídas para políticas públicas de combate às discriminações”, disse Silvio Almeida, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), professor da Universidade Mackenzie e ativista negro.

Homofobia. A homofobia aparece logo atrás do racismo. No Brasil, 44% dos pesquisados disseram já ter presenciado ou feito algum comentário homofóbico. A frase que os brasileiros mais declaram ter usado é “Pode ser gay, mas não precisa beijar em público” (25%). Entre os que assumem ser preconceituosos, a homofobia é o preconceito mais declarado (29%), em todas as regiões do Brasil.

Vítima de racismo, o universitário Jonathan Vicentt, de 26 anos, também já foi xingado de “viado” e “mocinha”. Ele também já ouviu, no almoço de domingo da família, que “tudo bem ser gay, mas não beije em público”. “Infelizmente, são os familiares que mais utilizam essa frase. Acho péssima. Por medo de ofender, muitos casais homoafetivos têm medo de andar em público de mãos dadas, por exemplo. Mas se um casal heterossexual pode fazer, por que um casal homossexual não pode?”, afirma.

A secretária escolar Giovana Amaral de Barros, de 28 anos, é casada com uma mulher e tem uma filha de 11 anos. Quando está caminhando de mãos dadas com a companheira e a criança, diz que é comum escutar comentários homofóbicos. “Esse momento choca mais”, diz. Apesar disso, ela conta que não deixa de andar de mãos dadas ou de dar beijo em público.

“Compreendo a reação porque nem sempre a pessoa quer ser homofóbica. Mas isso não justifica o comentário. Minha família, por exemplo, teve um processo para aceitar. Da mesma maneira que quero que me entendam, preciso entender que eles foram criados dessa maneira”, explica Giovana.

Mulheres reagem mais. A pesquisa apontou que quase metade dos brasileiros percebe o preconceito, mas não faz nada quanto a isso. Dos entrevistados, 45% admitem que conseguem perceber preconceito nos comentários feitos por alguém do convívio, mas metade deles não reage diante da situação. Quando há reação, as mulheres são as que mais reagem, com 60%.

O Ibope aponta que esse comportamento se justifica porque, possivelmente, as mulheres são mais vítimas de comentários preconceituosos diretamente. A antropóloga Regina Facchini, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu (Unicamp), concorda que há essa possibilidade e ressalta que outras pesquisas demonstram o mesmo. “As mulheres são menos intolerantes e essa é uma tendência notada em várias pesquisas. Homens tendem a se declarar mais intolerantes do que mulheres”, afirma.

Regina destaca, porém, que não é possível generalizara, já que também há mulheres intolerantes. “Se formos levar esse argumento a sério, vamos achar então que é bom ser intolerante com as pessoas porque elas vão acabar se tornando mais tolerantes? Quanto mais maltratar um grupo populacional, melhor esse grupo vai tratar outros grupos populacionais?”, pondera.

A farmacêutica Amanda Batalha, de 23 anos, é uma das mulheres que declaram já ter reagido a uma situação de preconceito. Gerente em uma farmácia, ela conta ter presenciado uma funcionária comentando com outra: “Seu cabelo é ruim. Não passa nem água”. Deu uma advertência e uma suspensão na ofensora, e diz que o episódio não se repetiu. “Ela pediu desculpas e acho que se arrependeu. Espero que sim. Preconceito é doença”.

Amanda também não fica calada ao ser vítima de preconceito. Ela já rebateu comentários preconceituosos da própria mãe que, segundo a farmacêutica, teria dito que “mulher gorda não arranja homem”. “Falei que o homem tem de gostar de mim porque aparência muda. Todo mundo envelhece e o que sobra são os valores. E disse também para ela que precisa ter cuidado com o que fala. Agora ela está conseguindo dar uma parada. É difícil mudar preceitos morais e éticos de uma pessoa idosa. Mas tenho fé de que as pessoas melhoram”, diz.

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