ARTICULAÇÃO DE MULHERES BRASILEIRAS
Neste 8 de março, há cem anos instituído como dia de luta das mulheres feministas, estaremos de novo nas ruas e praças enfrentando os conservadores e representantes do sistema de dominação que nos oprime e explora: as transnacionais beneficiadas com os grandes projetos de desenvolvimento, os latifundiários, expressão mais antiga do patriarcado no país, a igreja conservadora e os fundamentalistas que criminalizam, humilham, perseguem e maltratam as mulheres que recorrem ao aborto ou que defendem a LEGALIZAÇÃO DO ABORTO.
8 DE MARÇO 2010100 ANOS DE LUTA FEMINISTA:
E mais mil anos se for preciso!
Em muitos estados, não estaremos sozinhas. Movimentos de defesa dos direitos humanos, movimentos de luta por terra, movimentos diversos de mulheres do campo e da cidade, diversas expressões do feminismo se juntarão contra as forças militares, da grande mídia, das oligarquias e agronegócio, e todos e todas que, desde janeiro deste ano, se pronunciam contra o III PLANO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS.Estaremos também unidas com mulheres do mundo todo na iniciativa lançada pelo Acampamento Feminista no Haiti, de homenagear a vida das três companheiras do movimento feminista que faleceram no recente terremoto. E ainda, nos preparando e convocando para a ação em defesa do HAITI LIVRE E SOBERANO, dias 21 e 22 de março.Reunimos nesta AGENDA POLÍTICA os seguintes textos e documentos:
• Síntese da análise de conjuntura da Assembléia da Frente Nacional contra Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto, ocorrida em dezembro de 2009;
• Defesa do aborto como questão de direitos humanos;
• Defesa do PNDH3: entrevista com Maria Victoria Benevides;
• Notícia da convocatória para homenagens às feministas haitianas no dia 8 de março.Boa leitura a todas.
Muita energia e força nas mobilizações deste 8 de março!
ANÁLISE DE CONJUNTURA DA LUTA PELA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO
Síntese do debate na Assembléia Nacional da Frente. São Paulo, 6 e 7 de dezembro/2009, elaborada por Sílvia Camurça (AMB)A Assembléia da Frente Nacional contra Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto ocorreu em São Paulo, nos dias 5 e 6 de dezembro de 2009, reunindo cerca de 150 participantes representando organizações e movimentos nacionais e organizações de 14 estados do país e cumprindo a pauta tal qual previsto na sua convocação: I. Análise da conjuntura; 2. Estratégias de ação em 2010; 3. Funcionamento da Frente; 4. Resoluções e Declaração final.
A Frente Nacional pelo Fim da Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto foi organizada entre julho e agosto de 2008 e lançada em setembro do mesmo ano na cidade de São Paulo, com um ato público e uma caminhada.
A iniciativa partiu dos movimentos feministas e contou com a adesão de demais movimentos sociais. Seu objetivo é dialogar com os diversos movimentos sociais e setores democráticos da sociedade, para denunciar, mobilizar a resistência e barrar a crescente criminalização das mulheres pela prática de aborto e/ou pela defesa de legalização desta prática.
Vários projetos de lei que ameaçam os direitos e bloqueiam a autonomia das mulheres tramitam no Congresso Nacional, onde atualmente funcionam três frentes parlamentares pela criminalização das mulheres e do aborto.
Mulheres estão sendo indiciadas, presas e julgadas pela prática de aborto em diferentes cidades do país, sendo o caso mais emblemático o de Mato Grosso do Sul, em 2008, quando o Ministério Público, em iniciativa conjunta com a polícia, fechou uma clínica médica e ameaçou indiciar cerca de 2000 mil mulheres que supostamente ali praticaram aborto.
Uma CPI sobre o aborto clandestino pode ser instalada a qualquer momento no Congresso Nacional – o que só contribuirá para maior criminalização das mulheres, atingindo especialmente as mulheres da classe trabalhadora, em especial, as mais pobres e vulneráveis, grupo no qual se encontra grande parte da população afro descendente.
Os objetivos da AMB com a Frente são: avançar em nossa organização por todo país e construir uma estratégia da luta comum para enfrentamento do debate com base na mobilização social das mulheres e dos movimentos sociais.
Pontos de destaque na análise de conjuntura:
Cresce a influência da Igreja em toda América Latina e Caribe; há retrocessos no Chile, Argentina e Nicarágua. Apenas no México (capital) houve avanços. Na Europa, cresce a ação da Igreja tentando destituir direitos neste campo (França, Itália, Espanha).
Os inimigos desta luta estão mais organizados, ganharam setores da esquerda, mantem suas frentes de luta, tem sites organizados, ocupam espaços de poder nos legislativo, executivo e poder judiciário em vários países, ocupam espaços na mídia, compram meios de comunicação, fazem mobilizações e ações de massa para demonstrar força.
Os conservadores e fundamentalistas concretizam sua ação via criminalização das mulheres e cerceamento do debate democrático sobre o aborto; amplia-se a capacidade de intimidar quem ousa falar em favor do aborto; cresce o uso de informações distorcidas e falsas para impressionar negativamente as pessoas sobre a questão do aborto.
No Brasil, o parlamento hoje é hegemonizado por forças antilegalização. A bancada evangélica diminuiu pela corrupção (que inviabilizou reeleição de muitos), mas cresceu a unidade da bancada cristã que atua em bloco contra a liberdade sexual e autonomia reprodutiva das mulheres. Este campo faz aliança com empresários da comunicação, ruralistas e as oligarquias representadas no Congresso. As principais relatorias de Comissões estão nas mãos destes grupos.
Há 40 proposições de leis em tramitação no Congresso, alguns aumentando a criminalização do aborto (crime hediondo, retirar permissivos legais de hoje, classificar como crime de tortura), outros focam o planejamento familiar (propõe retirar direito à pílula do dia seguinte), e outros colocam-se em defesa da vida do feto ou da vida desde a concepção (antes mesmo de existir o feto).
A bancada feminina está unida contra a CPI do aborto, mas não vai além disto. As parlamentares podem ser acionadas para ações de resistência a retirada de permissivos já existentes.
O Parlamento reflete a correlação de forças na sociedade. Esta correlação de forças só vai mudar com mobilização e debate na sociedade.
Nos partidos, um fato de destaque foi a luta e conquista da expulsão de Bassuma, pelas mulheres feministas do PT.
No feminismo: nosso avanço teórico sobre aborto não condiz com a mobilização que temos. A Frente tem complexidades e suas divergências precisam ter espaço para se expressar. Setores do movimento negro precisam ganhar densidade dentro da Frente.
Prioridades nesta conjuntura:
• garantir o espaço e legitimidade de debater o assunto livremente na sociedade;
• manter manifestações públicas constantes, fazer mobilizações em datas do movimento, garantir posicionamento ante fatos da conjuntura que estejam na mídia;
• garantir a unidade do campo feminista nesta luta;
Precisamos qualificar mais e mais o debate e ser generosas com nossas divergências acerca das estratégias distintas sobre a forma de atuar (lobby, mobilização social, judicialização da questão com responsabilização do Estado pela morte de mulheres) e acerca das prioridades (legalização, descriminalização, permissivos para anencefalia);
• ampliar o leque de alianças com movimentos sociais.
Neste caso, deixar evidente que a disputa de projeto de sociedade é o pano de fundo da luta pelo direito ao aborto. Nossa questão é demonstrar o que significa legalizar o aborto para um projeto político democrático e popular. E demonstrar o que significa a criminalização das lutas sociais pelos conservadores e qual sua relação com a criminalização das mulheres e dos/as que defendem a legalização do aborto.Contribuições ao Plano Nacional de Direitos Humanos em relação aos direitos reprodutivos das mulheres. (Trecho de texto em elaboração pelas Jornadas, a partir de contribuição de Bia Galli e Schuma Schumacher).O ABORTO INSEGURO É UMA DAS CAUSAS EVITÁVEIS DE MORTES MATERNAS E SEQUELAS DERIVADAS E POR ISSO DEVE SER CONSIDERADO UM PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA E DE DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES• O aborto inseguro é um grave problema de saúde pública e injustiça social. No Brasil, o aborto inseguro está entre as principais causas de mortalidade materna, sendo 11% do total das mortes de mulheres ocorridas durante a gravidez, parto ou pós-parto. As mulheres negras têm um risco 3 vezes maior de morrer por aborto inseguro do que as mulheres brancas; mulheres com baixa escolaridade possuem acesso deficiente às políticas de planejamento familiar para prevenção de uma gravidez indesejada. Em Salvador, onde a população é majoritariamente negra, desde o início da década de 90 o aborto é a primeira causa isolada de mortalidade materna. Ao mesmo tempo, o aborto é a terceira causa de morte materna na cidade de São Paulo.
A CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO NÃO RESOLVE O PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA E NÃO EVITA A SUA PRÁTICA
Criminalizar o aborto não reduz ou impede a sua prática e tem o efeito perverso de colocar as mulheres em risco.
Mudar a realidade de negação dos direitos reprodutivos das mulheres no Brasil é o principal desafio para a realização dos direitos reprodutivos e os propósitos de promoção da igualdade de gênero, raça e justiça social.
Há países com legislações restritivas que apresentam taxas elevadas de aborto entre mulheres em idade reprodutiva. Em contraste, há países que asseguram ampla autonomia da mulher em decidir pelo destino da gravidez, nos quais as taxas de aborto estão entre as mais baixas.
A criminalização do aborto gera desigualdade entre homens e mulheres, pois significa criminalizar as mulheres, pois somente as mulheres engravidam e passam por essa experiência.
Criminalizar o aborto é negar às mulheres brasileiras os direitos humanos elementares: viver com dignidade, ter controle sobre a própria vida sexual e reprodutiva, e escolher ter ou não ter filhos, se e quando quiserem e interromper uma gestação indesejada, sem ter que correr riscos para a saúde, arriscar suas vidas e ainda serem consideradas criminosas pelo Estado.
A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA QUE CRIMINALIZA O ABORTO VIOLA TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E NÃO CUMPRE COM OS COMPROMISSOS INTERNACIONAIS ASSUMIDOS PELO GOVERNO BRASILEIRO EM RELAÇÃO À SAÚDE SEXUAL E REPRODUTIVA
• A discussão sobre o aborto deve pautar nos dispositivos constitucionais e no disposto nos tratados e conferências internacionais de direitos humanos das Nações Unidas.
• O governo brasileiro, quando assinou tais documentos, passou a assumir um compromisso político de alcançar as metas ali previstas. O parágrafo 106 K da Plataforma de Ação de Beijing, de 1995, dispõe que “os governos devem considerar revisarem as leis que contém medidas punitivas contra mulheres que realizaram abortos ilegais”.
• Desde a I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em 2004, recomendou-se ao governo “rever a legislação punitiva que trata da interrupção voluntária da gravidez”.
• O Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em sua 11ª sessão ordinária, aprovou no dia 17 de junho de 2009, por consenso, uma resolução no. 11/8 que reconhece a morbi-mortalidade materna evitável como uma questão de direitos humanos. O Brasil apoiou a resolução.
O governo brasileiro tem a legitimidade e a obrigação de garantir às mulheres os direitos humanos relacionados à auto-determinação reprodutiva, independente de crenças religiosas e opiniões de setores da sociedade.
Defendemos o direito humano das mulheres: o direito à igualdade e à não discriminação, o direito à liberdade e segurança pessoal, o direito de não serem objeto de ingerências arbitrárias em sua vida pessoal e familiar, o direito de respeito à sua liberdade de pensamento e consciência, o direito à integridade física, psíquica e moral, o direito de não serem submetidas a nenhum tratamento desumano ou cruel, no âmbito físico ou mental, e o direito à saúde e o direito à vida.
SOBRE O MOVIMENTO DE DEFESA DO PNDH3
Como sabem, o PNDH3 está sendo questionado em sua legitimidade por setores conservadores que discordam deste ou daquele ponto. Em três audiências nacionais, os movimentos sociais fecharam uma aliança em defesa integral do PNDH3. Essa é a orientação estratégica que estamos assumindo coletivamente com outros movimentos.
O que está em jogo neste momento é a defesa da legitimidade das CONFERÊNCIAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS.
Concordando ou não com o que foi aprovado nas 50 conferências que produziram a matéria prima do texto do PNDH3, quando se questiona a legitimidade de um ou outro conteúdo, questiona-se na verdade se é legitimo que o Governo faça um plano respeitando as Conferências. Esta é a questão. E nós consideramos que o governo DEVE respeitar o que dizem as conferências.
A grande imprensa e os jornalões dizem que o Plano é eleitoreiro e autoritário, querendo desqualificar a sua legitimidade: o PNDH3 foi construído com base nas deliberações das Conferências, concordemos ou não com elas.
Mesmo que os militares não concordem com a comissão da verdade, proposta no PNDH3 para investigar os crimes da ditadura, esta proposta foi aprovada em conferência e é legitimo que seja instituída.
Mesmo que a Igreja Católica não concorde com a legalização do aborto, ou com a retirada dos símbolos religiosos de espaços públicos, nem concorde com sistema de adoção para casais do mesmo sexo, estas propostas foram aprovadas nas Conferências, sendo também legítimas.
Mesmo que os latifundiários não concordem com a negociação em caso de invasões de terra, é legitima a defesa desse direito porque também foi aprovado em conferencia (este ponto, aprovado em conferência.), pois primeiro a negociação, depois se pode pensar em reintegração de posse, etc.
Mesmo que a ALERT e a Globo não concordem com o conselho de regulamentação da comunicação, mesmo que acusem militantes de movimentos sociais de serem ‘censores’ e digam que o PNDH3 viola a liberdade de imprensa, o Plano segue sendo legítimo.
O debate se estas propostas devem ou não ser efetivadas, vai seguir, não mais em torno da legitimidade do PNDH3, mas em torno das propostas legislativas (PLs) que vierem a ser feitas, portanto no âmbito do Congresso Nacional.
Em torno deste argumento, temos aliança entre TODOS os movimentos sociais que defendem o PNDH: movimentos de luta por terra, contra tortura, movimento feminista, negro e vários segmentos que lutam pelos direitos humanos no Brasil.
É preciso seguir ampliando o debate sobre o PNDH e dar visibilidade a força e articulação dos movimentos sociais na defesa do plano. Defender a aprovação do plano é defender lutas históricas dos movimentos sociais de esquerda. Defender a integralidade é defender o projeto feminista e um projeto de democracia em que acreditamos.
Para manter o acordo e aliança entre os movimentos é PRECISO seguirmos na DEFESA INTEGRAL DO PLANO, em sua letigimidade.
Leia a seguir entrevista de M.V. BENEVIDES
Terça, 12 de janeiro de 2010, 14h58 Atualizada às 15h24.
Maria Victoria Benevides é uma defensora histórica dos direitos humanos no Brasil. Enquanto se falava em abertura política, ela escrevia sobre a Violência, povo e política, equação que, segundo ela, se mantém insolúvel na sociedade brasileira. Mas, uma das mais respeitadas cientistas Políticas do país, ela acredita na luta constante pelos direitos humanos.
Professora da Universidade de São Paulo, Maria Victoria esteve no lançamento do 3º Programa, em 21 de dezembro do ano passado. A Terra Magazine, ela comenta as diferenças entre proposta atual e as duas anteriores e diz comemorar “a coragem do ministro Paulo Vannuchi (Secretaria Especial de Direitos Humanos)”.
– Acho que nenhum outro grupo político teria coragem de fazer isso às vésperas do ano eleitoral. E não me surpreende essa oposição toda ao programa, justamente por ter mexido com proprietários dos meios de comunicação, com o agronegócio, militares e Igreja Católica.
O novo documento propõe a criação de uma Comissão Nacional da Verdade, para apurar os crimes cometidos durante o regime militar brasileiro (1964-1985). A comissão causou mal-estar entre os militares, temerosos de uma revogação da Lei de Anistia – que eximiu de punição os torturadores do governo militar.
Outra questão que causou mal-estar, desta vez à Igreja Católica, foi a descriminalização do aborto, segundo o documento, levando em conta a autonomia da mulher sobre o próprio corpo. O setor agropecuário, por sua vez, se manifestou contrário ao que, pela nova redação, prevê a criação de uma espécie de câmara de conciliação para conflitos agrários, antes que sejam conseguidas na Justiça liminares de reintegração de posse.
O presidente Lula pretende rever os trechos do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos que defendem o direito ao aborto e a criação da Comissão da Verdade, origem principal das faspas trocadas entre os ministros Paulo Vannuchi e Nelson Jobim (Defesa).
Terra Magazine – Com que olhos a senhora avalia o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos? As diferenças em relação ao anterior são pequenas, mas existem. Sobre elas, o que a senhora tem a dizer?
Maria Victoria Benevides – Esse terceiro programa é uma continuidade natural e coerente com o que vem sendo feito desde antes do primeiro programa em 1996. Antes disto, já havia uma discussão ampla, aquele plano não surgiu do nada. Os participantes dessas discussões eram pessoas que, desde a época da ditadura, se notabilizaram por defender os Direitos Humanos. A luta veio caminhando e o ponto mais importante disto é o fato de que Direitos Humanos passou a ser entendido no seu sentido verdadeiro.
Terra Magazine – Como assim?
Maria Victoria Benevides – Direitos humanos são universais e indivisíveis por abarcarem direitos individuais, as chamadas liberdades civis, direitos políticos, sócio-econômicos, culturais e ambientais. Na minha avaliação, isso foi o mais importante. Nós, defensores dos direitos humanos, tínhamos muita dificuldade de manter esta luta, porque, durante muito tempo, a expressão “direitos humanos” era identificada como direito de bandido, sejam eles políticos ou da criminalidade comum. Esses programas começaram a romper com essa visão preconceituosa, que sempre foi muito manipulada com ignorância e má fé, no sentido de mostrar que são direitos dos vulneráveis. Ou seja, direitos dos deficientes, idosos, desempregados, excluídos em geral. Isso, para mim, foi o maior ganho: Esses direitos que passaram a fazer parte da agenda do Estado.
Terra Magazine – A criação da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) foi um marco nesse sentido?
Maria Victoria Benevides – Sim, claro. Ao ser criada a SEDH, a questão foi levada para os governos. Com isto, a ênfase dada ao tema, os recursos e o comprometimento vêm aumentado com esse marco importante do governo Fernando Henrique em 1996. Inclusive, vale lembrar, que foi uma ascensão coerente e constante à adesão e homologação anterior de convenções, tratados e conferências internacionais de direitos humanos.
A Comissão Nacional da Verdade foi tema de debate entre os ministros Paulo Vannuchi (SEDH) e Nelson Jobim (Defesa). Essa é uma discussão histórica no Brasil: Arquivos da ditadura, responsabilização dos devidos culpados, o que uns defendem e outros acusam de revanchismo.
É impossível falar em construção de uma Nação em cima de sigilo sobre fatos importantíssimos de nossa história. Acusar de revanchismo é um insulto à lógica e à nossa inteligência. Não existe, absolutamente, revanchismo nessa posição. Seria revanchismo se disséssemos: Torturou? Será torturado. Matou? Tem que morrer. Roubou? Será roubado. Estuprou? Será estuprado. Então, não é revanchismo. Isto é verdade, reconhecimento das responsabilidades. Eu vou além…
Por favor…
Algo que não aparece no plano, mas na pré-história dele. Esta comissão se chamaria, na verdade, Comissão Nacional da Verdade e Justiça. A palavra justiça foi retirada para esfriar os ânimos, pois ela incitava um julgamento dos responsáveis por violências inenarráveis contra a integridade física e psíquica dos privados de liberdade e sob responsabilidade do Estado. Mas, além de se conhecer a verdade, os responsáveis devem ser identificados. Não precisam sofrer mais nada, até porque ser confrontado com a desonra profunda de ser identificado como um torturador já é punição suficiente.
Terra Magazine – Por qual razão essa Comissão da Verdade incomoda tanto?
Maria Victoria Benevides – Porque mexe com a história recente e os responsáveis ainda estão por aí. Mas é preciso deixar claro que, quando se denuncia torturas daquela época, se denuncia também a tortura cotidiana, que é tradição desde sempre contra os apenados, os presos em delegacias, negros, pobres…
Terra Magazine – A Lei da Anistia engloba essa responsabilização?
Maria Victoria Benevides – Olha, na realidade, o que se quer é colocar a Lei de Anistia no seu trilho original. A interpretação dela prevaleceu favorecendo os torturadores. Isto é um desvio terrível em relação à Lei. Falar em revisá-la dá a entender que será feita alguma modificação. Isto não irá acontecer e mais: Ela não será anulada! Queremos apenas que ela seja respeitada. Em hipótese alguma ela engloba os crimes de tortura e violações de direitos humanos. Portanto, isto não é, e nem nunca foi, entendido como crime político.
Terra Magazine – Fala-se na responsabilização dos dois lados, militares e guerrilhas armadas…
Maria Victoria Benevides – Falar em dois lados é um absurdo! Incorporar torturados e torturadores? Isto é um absurdo! Se é para falar em dois lados, os guerrilheiros, a esquerda armada e os combatentes pagaram um preço altíssimo por suas lutas: foram torturas, banimentos, exílios, Estupros, desaparecimentos forçados, assassinatos, violências de todo tipo. Além, é claro, dos problemas psiquiátricos que herdam destas violências as quais foram submetidos. Então, não dá para falar em dois lados e que ambos devem ser investigados. Isto é algo diabólico. Essa Comissão da Verdade é tomada como uma verdadeira revolução, mas basta olhar nossos hermanos do Cone Sul, A Argentina e o Uruguai, que também está entrando nessa fase importante.
Duas coisas chamam atenção nas ressalvas do presidente Lula em relação ao 3º Programa. A primeira é em relação ao aborto. Este é um tema bastante delicado por conta das instituições envolvidas nessa discussão: Estado, Igreja e Família.
O Programa de 2002, ainda no governo FHC, já tratava o aborto como uma questão de Saúde pública em casos previstos por lei. Concordo inteiramente com o que está no terceiro plano, tanto no tocante à Saúde pública, por que é evidente que isto recai como um problema sobre as Mulheres pobres, quanto em relação à autonomia da mulher. Isto é uma questão de respeito humano. Em termos políticos, eu posso entender o recuo do presidente.
Terra Magazine – Como a senhora entendeu esse recuo?
Maria Victoria Benevides – O que pesa para ele é o fato de que ele não pode, independentemente de ser ano eleitoral ou não, comprar uma briga com uma instituição tão forte como a Igreja Católica, que junto às Forças Armadas são as únicas imorredouras, capilares e realmente nacionais, por estarem em todo o território nacional. Elas têm credibilidade histórica. A posição dele é de conciliação política mesmo.
Terra Magazine – Se fosse necessário escolher, o que é fundamental ser preservado, a Comissão da Verdade ou o trecho que defende o aborto?
Maria Victoria Benevides – Neste momento, a Comissão da Verdade, porque a luta pela descriminalização do aborto pode ser levada independentemente do plano, até por ser uma discussão que precisa ser encaminhada ao Congresso. Mas a comissão necessita de um apoio muito forte do governo.
Outra novidade no 3º PNDH é com relação às reintegrações de posse em caso de ocupações promovidas por movimentos sociais.
A grande questão é que nesta terceira, fala especificamente sobre o agronegócio, que potencialmente viola direitos de pequenos e médios agricultores e populações tradicionais. O que é absolutamente evidente, não precisava ninguém escrever isso no plano. Mas isto está mexendo com uma das áreas de maior poder e interesse no país, o agronegócio. Ao invés de eles ficarem reclamando, deveriam tentar responder às acusações de trabalho escravo nas fazendas.
De maneira geral e para concluirmos a entrevista, estamos em 2010, ano eleitoral, e ainda assim a SEDH apresentou propostas polêmicas em relação ao Programa. Paulo Vannuchi é extremamente importante e corajoso. Acho extremamente corajoso que o governo tenha bancado isso. Eu estava no dia do lançamento do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos e fiquei impressionada com a quantidade de ministros que prestigiaram o lançamento às vésperas do Natal, em 21 de dezembro. Acho que nenhum outro grupo político teria coragem de fazer isso às vésperas do ano eleitoral. E não me surpreende essa oposição toda ao programa, justamente por ter mexido com proprietários dos meios de comunicação, com o agronegócio, militares e Igreja Católica.
GUIA INFORMATIVO – HOMENAGEM À VIDA DAS LÍDERES FEMINISTA QUE MORRERAM NO TERREMOTO DO HAITI. DIVULGADO PELA AFM E REDE FEMINISTA DE SAÚDE.
Honrando a vida das feministas líderes haitianas que morreram no terremoto de 12 de janeiro, os grupos de mulheres em todo o mundo são convidados pelo movimento de mulheres haitianas para organizar uma atividade em memória como parte de sua celebração do Dia Internacional da Mulher, em seus países e comunidades.
A iniciativa de comemorar o 8 de março, honrando as feministas haitianas saiu da reunião de mulheres do Haiti em 24 de janeiro em Porto Príncipe, a qual foi aprovada em uma América Latina e Caribe reunião da Acampamento Feministas International Myriam Merlet, Magalie Marcelin, e Anne Marie Coriolan, realizada na República Dominicana, no dia 26-27.
“Estamos chamando as organizações em todo o mundo se juntar a nós nesse dia para homenagear e chorar a perda de nossas ativistas feministas. Esta celebração nos permitirá reviver e recriar o impulso do movimento de mulheres do Haiti para continuar o importante trabalho de nossas lideranças mortas e do legado que elas deixaram, para que continuemos a trabalhar”, disse Lise Marie Dejean de Solidarite Fanm Ayisyen (Solidariedade com as Mulheres Haitianas – SOFA).
Ela acrescentou que as feministas sobreviventes vão organizar uma atividade em praça pública no Haiti, quando irão compartilhar o que se aprendeu com as três líderes feministas a serem homenageadas: Myriam Merlet, Magalie Marcelin, e Anne Marie Coriolan.
Todos as três líderes tiveram uma longa trajetória no ativismo feminista, pela reforma judicial para transformar a violência sexual numa violação dos direitos humanos das mulheres, a criação de organizações e casas-abrigo para proteger as meninas e mulheres contra a violência doméstica e o tráfico, a publicação de um jornal feminista, além de um centro de documentação e um arquivo histórico, esforçando-se para a proteção dos direitos sexuais e reprodutivos.
Myrian Merlet : ex Ministra do Ministério Haitiano de Mulheres, ajudou a chamar a atenção internacional para o uso do estupro como arma política e outras questões relacionadas à violência contra mulheres e meninas. Ela foi um das fundadoras da ENFO Fanm, o primeiro centro de documentação e informação feminista, que também promove os direitos das mulheres.
Magalie Marcelin: advogada, ativista e atriz, que há dois anos exortou as mulheres a pressionar os tribunais no Haiti, onde conseguiu um veredicto de culpabilidade contra um homem que havia golpeado sua esposa. Marcelin foi uma das fundadoras da Dwa Fanm, uma organização de direitos da mulher que lida com a violência doméstica, oferece serviços e abrigo para mulheres e fornece microcrédito ou empréstimos para as mulheres.
Anne Marie Coriolan: foi conselheira do Ministério das Mulheres, foi o fundadora de Solidarité Fanm Ayisyen (Solidariedade com as Mulheres Haitianas – SOFA), organização de promoção e de serviços.
Para homenagear estas três líderes feministas, entre outros mortos no terremoto, as atividades estão sendo planejadas em todo o mundo, incluindo um especial de mesa redonda na sede das Nações Unidas em Nova York durante a CSW (Comissão sobre o Status da Mulher), organizada por CAFRA (Associação Caribenha Feminista para Pesquisa e Ação), a Comissão Huairou e pelo Acampamento Feministas International entre muitas outras organizações e redes.
Atividades locais em outros países para 8 de março já foram anunciadas por organizações de mulheres no Chile, Argentina, Honduras, Porto Rico, Canadá e Brasil. O Acampamento Feministas International também está solicitando uma declaração de solidariedade da Nobel – Iniciativa das Mulheres.
A Rádio Internacional Feminista Endeavour (FIRE), com o Acampamento Feminista International, irá transmitir as atividades no Haiti, em rádio da Internet, com ligações a muitas outras estações de rádio e redes de mídia no mundo inteiro.
A AMB é uma articulação política não partidária, que potencializa a luta feminista das mulheres brasileiras nos planos nacional e internacional. A AMB tem sua ação orientada para a transformação social e a construção de uma sociedade democrática, tendo como referência a Plataforma Política Feminista (construída pelo movimento de mulheres do Brasil, em 2002). No presente contexto, a AMB se orienta por cinco prioridades: a mobilização pelo direito ao aborto legal e seguro, a ação pelo fim da violência contra as mulheres, o enfrentamento da política neoliberal, a organização do movimento e a luta contra o racismo e a lesbofobia.
Articulação de Mulheres do Acre
Articulação de Mulheres do Amapá
Articulação de Mulheres do Amazonas
Articulação de Mulheres Brasileiras – Rio de Janeiro
Articulação de Mulheres do Mato Grosso do Sul
Articulação de Mulheres de São Paulo
Articulação de Mulheres de Rondônia
Articulação de Mulheres Tocantinenses
Fórum Cearense de Mulheres
Fórum de Entidades Autônomas de Mulheres de Alagoas
Fórum Estadual de Mulheres Maranhenses
Fórum Estadual de Mulheres do Piaui
Fórum Estadual. de Mulheres do Rio Grande do Norte
Fórum Goiano de Mulheres Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense
Fórum de Mulheres do Distrito Federal
Fórum de Mulheres do Espírito Santo
Fórum de Mulheres da Grande Belo Horizonte
Fórum de Mulheres de Lauro de Freitas (Bahia)
Fórum de Mulheres de Pernambuco
Fórum de Mulheres de Salvador
Fórum de Mulheres de Santa Catarina
Fórum de Mulheres de Sergipe
Fórum de Mulheres de Mato Grosso
Fórum de Mulheres da Paraíba
Fórum Popular de Mulheres do Paraná
Fórum Municipal da Mulher de Porto Alegre
Núcleo de Mulheres de Roraima
Rede de Mulheres em Articulação da Paraíba
Na América Latina a AMB integra a Articulação Feminista Marcosur e Comitê de Mulheres da Aliança Social Continental
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Fonte: Universidade Livre Feminista