A vacina deu a medida de Bolsonaro

O início da vacinação no mundo deu ao público brasileiro algo que ele ainda não tinha: uma medida precisa de como a atuação de Jair Bolsonaro no combate à pandemia de Covid-19 foi pior do que a dos outros governantes.

Por maiores que fossem os números de mortos brasileiros, não era fácil para boa parte do público compará-los com os de outros países, quanto mais relacioná-los às políticas de combate à pandemia adotadas em cada um deles. O desastre nos Estados Unidos, de longe o país estrangeiro sobre o qual os brasileiros têm mais informação, permitia aos bolsonaristas mentir que a tragédia brasileira era inevitável. Quantos brasileiros sabem que a bem governada Nova Zelândia voltou à vida normal antes da vacina por ter feito o exato contrário do que fez Bolsonaro?

A vacina mudou tudo isso. É muito fácil saber que países vacinaram e que países não vacinaram. As imagens das pessoas sendo vacinadas nos fazem, imediatamente, voltar a imaginar uma vida sem o vírus, e, nesse momento, intuitivamente, se entende o que os especialistas dizem desde o começo, contra Bolsonaro, contra Paulo Guedes, contra a burguesia da morte que apoia o governo: a vida normal só voltará com a vacina, só voltará quando o vírus tiver sido derrotado.

E o fato de haver vacinas disponíveis ao redor do mundo nos faz perguntar: por que não há vacinas no Brasil? Por que a Índia, um país muito mais pobre do que nós, não só tem vacina como produz e vende vacinas? Por que vizinhos nossos como a Argentina já estão vacinando há várias semanas? O fato de o governador de São Paulo ter conseguido comprar vacinas prova irrefutavelmente que o governo federal poderia ter comprado vacinas.

Bolsonaro não comprou vacinas. Bolsonaro fez campanha contra as vacinas. Bolsonaro torceu contra a “vacina chinesa” e negou uma oferta da Pfizer que já nos teria garantido dois milhões de doses para agora. Para puxar o saco de Trump, Bolsonaro fez com que o Brasil fosse o único país em desenvolvimento que se opôs à Índia em uma discussão sobre patentes de, acredite se quiser, vacinas; agora temos que mendigar vacinas na Índia, e estamos no fim da fila. Os bolsonaristas fazem campanha diária contra a China, um parceiro comercial com quem não temos qualquer disputa estratégica; agora precisamos mendigar vacinas e ingredientes para fazer vacinas na China, e estamos no fim da fila.

O governo brasileiro é o único do mundo que viu o início da vacinação como uma crise, e respondeu como sempre responde a crises: com ameaça de golpe de Estado e aparelhamento. O procurador-geral Augusto Aras lançou a ameaça de estado de defesa. Ao mesmo tempo, segundo reportagem do Correio Braziliense, Bolsonaro planeja retaliações contra Doria. Por vacinar gente.

Enquanto isso, os ventos da economia internacional começam a soprar a favor do crescimento. Quem vai aproveitar melhor essa maré favorável será quem puder botar gente vacinada na rua para trabalhar e consumir. Se qualquer outro idiota tivesse vencido a eleição de 2018, seríamos nós. Entretanto, no que depender de Bolsonaro, passaremos a próxima alta das commodities doentes em casa, ou nos matando uns aos outros na sucessão de crises políticas cada vez piores que o presidente contrata diariamente.

Celso Rocha de Barros
Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

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