Samba, amor e Hip Hop

As alegrias do encontro de gerações, da velha guarda às crianças de colo, na quadra da escola de samba Vai-vai

A quem nunca viu o samba amanhecer, Geraldo Filme aconselhava que fosse ao Bixiga para ver, ao quilombo da Saracura, à sede da Vai-vai. Fomos, não é meu bem? Agora, na Tabatinguera, sem a lua da 14 Bis, mas com flashes bonitos registrados por sua câmera.

O Hip Hop tinha dez anos no Brasil, quando cheguei a São Paulo. Conheci tanta gente menina que hoje está cinquentando, gente que reencontrei na quadra da Vai-vai para celebrar o Hip Hop no samba-enredo do ano. Teve aquela moça que me chamou e quando parei, apresentou-se como frequentadora do Projeto Rappers, de Geledés. Ela achava que eu não me lembraria dela, mas é lógico que me lembrei, só que troquei o nome pelo da irmã que estava mais à frente. Ela me pegou pela mão e me conduziu até a mana, nos cumprimentamos e me vi diante de Donna Summer, pronta para se jogar na avenida.

Depois, comentei contigo que elas pareciam ter crescido, eram tão pequenas e franzinas. Fiquei fazendo contas, pensando no limite da idade de crescimento das meninas. Você me perguntou se eu tinha olhado o pé dela. Respondi que não. Qual pé, o esquerdo ou o direito? Ela tinha algum problema no pé? Você suspirou e corrigiu: “os pés, amor, os pés”. Olhei e não vi nada de errado. E você me disse: “não se trata de erro, mas de explicação, olha o salto, o tamanho da plataforma”… Sim, as jovens senhoras trocaram os tênis e sapatinhos mocassim da adolescência, a calça jeans e camiseta ou camisa quadriculada, os cabelos curtos e o rosto sem filtro por maquiagem forte, roupa de couro delineante, salto alto e cabelos de fazer inveja a Lady Zu. É, nosso tempo é mesmo espiralar, como nos ensinou a Rainha Leda Martins.

Discoteca dos anos 70, James Brown, Nelson Triunfo dançando na abertura de Dancin’Days e agora na comissão de frente da escola que o reverencia, escola de samba, escola de break, escola de artes negras. As Frenéticas nos fustigando: “abra suas asas, solte suas feras, caia na gandaia, entre nessa festa; eu quero ver seu corpo, lindo, leve, solto; me leve com você”.

Me leva? Vamos para o samba, meu bem. Vamos ver a velha guarda ensinando a etiqueta da agremiação ao pessoal mais novo, as mulheres na arquibancada com as crianças que já sabem sambar, mas ainda mamam e dormem sugando o peito delas; o samba do amanhã, a ala das crianças atenta à coreografia da mulher divertida que as orienta; os tiozões do Rap distribuindo sorrisos e apertos de mão e a rapaziada que pegou o bastão, coreografando e cantando o papo reto, a ideia que não faz curva no enredo da Vai-vai.

Na canção de Lady Zu que me habita desde a infância, o eu lírico diz que vai dar tudo de si para alguém (não fica explícito que seja um homem) e finaliza afirmando que sempre desejou ouvir da outra pessoa que, sem ela, não podia viver. O arremate da letra oferece um gênero para o eu lírico e crava “diga que a vida é mais linda, se eu for a sua mulher”. A ver, Lady Zu sabe das coisas, já sabia naquela época. O pessoal, atento a outro poeta, continua fazendo samba e amor até mais tarde e reclamando do sono pela manhã.

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