Estudo mostra o impacto do fator racial materno no desenvolvimento infantil

Pesquisa da Fiocruz destaca como o racismo afeta, principalmente, no crescimento dos filhos de mulheres indígenas e negras

ganho de peso e o crescimento dos filhos está diretamente relacionado ao fator etnorracial das mães. Isso é o que mostra uma pesquisa desenvolvida pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) e publicada no periódico BMC Pediatrics.

Segundo o estudo, filhos de mães indígenas exibiram maiores taxas de baixa estatura para a idade (26,74%) e baixo peso para a idade (5,90%). Já os filhos de mulheres negras apresentaram maior incidência de magreza: 5,52% entre mães pardas e 3,91%, entre mães pretas. Filhos de mães com descendência asiática também apresentaram alto índice de magreza: 5,46%.

Para as pesquisadoras, o estudo demonstra como a vulnerabilidade social de uma gestante pode afetar o desenvolvimento de seus filhos. Helena Benes, primeira autora do artigo, afirma que os índices podem “ser atribuídos a uma série de fatores decorrentes do impacto persistente do racismo estrutural em nossa sociedade”. Um desses fatores é o nível de estresse enfrentado em diferentes comunidades. 

“Enquanto medidas governamentais e de saúde pública para eliminar o racismo não forem suficientes, continuaremos a ver seus efeitos prejudiciais, inclusive no crescimento das crianças”

pontuou a pesquisadora.

Benes também afirmou que embora a literatura científica já tenha discutido a manifestação do racismo em resultados perinatais e na mortalidade infantil, poucos estudos se aprofundaram no impacto do racismo no crescimento infantil de crianças brasileiras.

“Reconhecer o racismo como um determinante central do crescimento inadequado entre alguns grupos etnorraciais é uma prioridade urgente para proporcionar maiores oportunidades de prosperidade para as minorias e populações historicamente negligenciadas no Brasil”

declarou

Como o estudo foi realizado

Mais de quatro milhões de crianças, nascidas entre janeiro de 2003 e novembro de 2015, tiveram seu desenvolvimento acompanhado no período entre 2008 e 2017. Desses, 64,33% eram filhos de mães pardas, 30,86% de mães brancas, 3,55% de mães pretas; 0,88% de mães indígenas e 0,38% de mães com descendência asiática. 

O grupo dos filhos de mulheres brancas foi utilizado como referência para a análise. Em primeiro lugar, as características de cada grupo etnorracial foram analisadas, como forma de avaliar a frequência de cada fator analisado na trajetória de crescimento infantil (baixa estatura e baixo peso para a idade e magreza).  

Em seguida, modelos de efeitos mistos não lineares foram aplicados, para estimar a trajetória de peso e altura nas crianças, de cada grupo, desde o nascimento até os 5 anos. Os resultados indicaram que filhos de mães indígenas apresentam, em média, 3,3 cm a menos que os nascidos de mães brancas. Em seguida, estão os filhos de mães negras (0,60 cm a menos em filhos de mães pardas e 0,21 cm a menos em filhos de mães pretas). Filhos de descendentes asiáticos apresentaram 0,39 cm a menos.

Em relação ao peso das crianças, filhos de mães indígenas também apresentaram uma grande diferença: 740 gramas a menos do que filhos de mães brancas. Filhos de de mães pardas apresentaram 250 gramas a menos; de mães pretas, 150 gramas a menos, e de descendentes asiáticas, 220 gramas a menos. 

Com os resultados apresentados, as pesquisadoras reforçaram que “o fortalecimento das políticas destinadas a proteger as crianças indígenas deve ser realizado com urgência para abordar as desigualdades étnicas sistemáticas na saúde”.

Perfil das mães

A maior parte das mulheres que participaram do estudo era residente em áreas urbanas (com exceção das mulheres indígenas, das quais 73,83% viviam em zonas rurais), e residiam em condições de habitação consideradas mais precárias (30,04%). 

Além disso, mulheres indígenas e pretas possuíam os menores níveis educacionais (27,52% e 13,76%, respectivamente). Essas mulheres também registraram maiores índices de incompletude do acompanhamento pré-natal (67,44% para as indígenas e 47,02% para mulheres pretas), acompanhadas pelas declaradas pardas (48,55%).  

A equipe de pesquisa ressaltou que como “o estudo foi realizado entre a população mais pobre de um país de rendimento médio com um histórico de grandes desigualdades sociais e de saúde”, isso impede a generalização dos resultados.

“No entanto, os nossos resultados apresentam evidências substanciais dos efeitos das disparidades etnorraciais no crescimento das crianças”, consideram as pesquisadores. “Até onde sabemos, este estudo representa o primeiro uso de um banco de dados de base populacional composto por dados administrativos para estudar os resultados do crescimento, incorporando uma extensa gama de dados antropométricos coletados durante um período pós-natal de 5 anos”.

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