O Dia Mundial do Meio Ambiente, datado em 05 de junho, se apresenta como uma oportunidade de evidenciar o Racismo Ambiental que a população brasileira, em especial as populações pretas, estão sujeitas. Mas, sobretudo, como uma oportunidade de pensar novas e/ou ancestrais propostas de desenvolvimento socioambiental a partir da radical imaginação política de mulheres negras brasileiras.
Como em vários estados do Brasil, Goiás é muito marcado pela mineração e o agronegócio exportador de commodities, ambas atividades de grande impacto sobre o meio ambiente, afetando comunidades em seus arredores. Somem-se a isso, atividades de infraestrutura, que também demandam projetos que afetam solo, água, matas e a qualidade de vida de quem mora perto. Fatos normalmente ignorados por agentes econômicos e poder público. É nesse contexto que surgem sempre episódios de racismo ambiental em Goiás. Quando projetos econômicos não respeitam legislações e o direito de comunidades tradicionais nesses locais.
Um dos grandes episódios recentes de racismo ambiental no estado se deu com o projeto de instalação de uma hidrelétrica de pequeno porte (PCH) no sítio histórico Kalunga em Cavalcante. A Rialma Centrais Elétricas propôs construir uma PCH utilizando o Rio das Almas, principal fonte de abastecimento d’água do Vão de Almas, uma das 39 comunidades Kalungas da região de Cavalcante. A região integra o Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, localizado na área do Parque Nacional Chapada dos Veadeiros, conhecida reserva natural de Cerrado em Goiás.
Apresentado em 2007, o projeto acabou sendo vetado em 2021 pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semad), mas não sem antes provocar conflitos na comunidade, incluindo cooptação de lideranças e falsificação de documentos visando sua aprovação.
Também no ano passado, outro episódio chamou a atenção da população quando um fazendeiro da região resolveu levar uma manada de 51 búfalos para a região do Engenho II, outra comunidade Kalunga de Cavalcante, local de mata preservada de Cerrado. A situação só foi contornada com a intervenção da prefeitura e governo estadual, já que esse tipo de animal é proibido de ser criado na região.
Vários outros entreveros envolvendo grandes fazendeiros na região da Chapada dos Veadeiros são denunciados com frequência. Casos envolvendo grilagem de terras, invasão de pequenas propriedades Kalungas, assoreamento ilegal de rios e construção de represas clandestinas são alguns dos casos mais comuns. Todos configurando crimes de racismo ambiental. E não só na região da Chapada dos Veadeiros, mas em outras comunidades quilombolas e indígenas em diferentes regiões do estado.
Por ser filha do Quilombo Kalunga – considerado o maior quilombo em extensão territorial do Brasil com três comunidades quilombolas que agrega cerca de 600 famílias – e ativista, sou sempre acionada nessas ocasiões. Por isso, considero urgente ampliar o apoio às associações quilombolas. Entendendo que as associações são as primeiras, às vezes únicas, barreiras institucionais de contenção do racismo ambiental e estrutural no estado.
Tenho trabalhado assiduamente para fomentar o desenvolvimento da agricultura familiar e o turismo de base comunitária na região. Acreditando que a ampliação de projetos nessas áreas podem ajudar a aumentar o controle do território pelas comunidades tradicionais, criar fontes de renda e inibir os crimes de racismo ambiental no estado. Mas, para isso, é preciso facilitar a titulação das terras dos quilombolas, um direito fundamental que acaba sendo um entrave ao desenvolvimento de projetos sustentáveis nas comunidades. A titulação é importante porque sua ausência veda a chegada de investimentos, financiamentos e formalização de projetos de desenvolvimento tanto para as pessoas individualmente quanto para toda a comunidade.
Tudo isso e muito mais só é possível fazer quando ocuparmos a política institucional de forma protagonizada. Precisamos de mais mulheres negras, quilombolas e indígenas nos espaços de decisão. É chegada a hora de suspender o céu e respirar!
Lucilene Kalunga tem 40 anos e é mãe de um adolescente de 11 anos. Se divide entre a capital Goiânia e o Quilombo Kalunga. Se organizou em um primeiro momento no Grupo de Mulheres Negras Malunga, que trabalha com saúde da mulher. Bacharel em Turismo, começou a trabalhar no SEBRAE e liderou processo de organização do seu território para gerar desenvolvimento econômico através do turismo. Em 2004, o Quilombo Kalunga foi escolhido pelo então presidente Lula para lançar o projeto Brasil Quilombola. Foi Secretária Municipal de Igualdade Racial, Cavalcante – Goiás (2009 – 2010). Em 2010 fez o 1º Encontro de Cultura Negra Kalunga no município de Cavalcante. Foi coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Goiânia. É coordenadora do Parlamento Jovem Brasileiro, programa da Câmara dos Deputados que tem como objetivo fomentar, entre os estudantes de Ensino Médio do Brasil, a discussão de temas como política, cidadania, participação popular e democracia representativa. Está pré-candidata a Deputada Estadual de Goiás e participa da jornada formativa do projeto Estamos Prontas, iniciativa do Instituto Marielle Franco e do movimento Mulheres Negras Decidem.
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