2022, um ano de muitos questionamentos e dúvidas: como será o amanhã nas escolas públicas?

Com a entrada do mês de junho e a aproximação do término do primeiro semestre  das aulas presenciais não podemos deixar de questionar as autoridades eleitas: como estão nossos alunos e alunas pretes, e principalmente, como está a saúde mental desses. 

Finalizamos o ano de 2021 sem trilha sonora e iniciamos o ano de 2022 com muitas perguntas e poucas respostas.

Pensar no panorama da educação e todos os impactos negativos que foram acentuados com a crise econômica, crise social e principalmente a crise política é um processo que deve ser feito por toda sociedade, bem como as instuições escolares (in)formais. É mister que depois de quase 2 anos de instituições fechadas os operadores das políticas públicas, e os 3 poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário estejam empenhados e letrados para formular, fiscalizar e propor políticas públicas com o olhar interseccional.

Pensemos no retorno dos alunos e alunas que tinham as escolas como referência para acolhida, apoio e até mesmo denúncia. Após 2 anos meninas que ficaram trancafiada retornam para as escolas e surgem novamente a oportunidade de relatar as dificuldades, quebrar silêncio das violências sofridas em seu habitat. Durante os intensos 2 anos de pico da pandemia, meninas negras enfrentaram vários tipos de crises e violência; crise dos Direitos Humanos, dentre eles o país voltando para o mapa da fome.

Segundo FAO, ONU e OMS a insegurança alimentar quase dobrou. Para se ter noção da gravidade, entre 2018 e 2020, a fome atingiu 7,5 milhões de brasileiros. Já entre 2014 e 2016, esse número era bem menor: 3,9 milhões. a falta de renda atinge em cheio mais de 14 milhões de desempregados. 

Para comprovar a gravidade e a violência dos dados da insegurança alimentar, finalizamos o ano de 2021 com o triste recado de um menino de 14 anos para sua professora, na qual ele dizia:  Professora me ajuda estou sem nada pra comer em casa por favor eu enploro pra senhora. Em paralelo a essa noticia a Folha de São Paulo publicou no mesmo ano estudo realizado pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made/USP) a respeito da desigualdade de renda no Brasil sob o recorte de raça e gênero. Tal estudo aponta que 705 mil homens brancos que estão entre os 1% dos mais ricos do Brasil possuem mais riqueza acumuladas do que todas as mulheres negras do País, que representam 26% da população e somam 32,7 milhões de pessoas.

As duas notícias ainda se encontram no presente e demonstram o quanto nosso país é violento para a maioria da população. Demonstra que a minoria, formada por homens brancos cis-heteronormativo tem todo “mérito” de gozar de bens simbólicos e materiais, enquanto a maioria não tem acesso ao mínimo social, não tem direito a ter direito.

O recado do menino direcionado para sua professora é o retrato do cotidiano de muitos educadores. O retorno das aulas presenciais desvelam as inúmeras violações de direitos que alunos e alunas estão expostos “todo santo dia”. Não temos dúvidas que as instituições escolares exercem importante papel na garantia dos direitos humanos, sendo um deles o acesso a alimentação. 

Diariamente professores entram na suas respectivas salas de aula e enfrentam inúmeros desafios, dentre eles a violência legitimada pelo Estado. A escola como espaço democrático de socialização e como prática social, também está sujeita a receber diferentes forma de violência, inclusive as praticadas pelo Estado.

Segundo Libâneo (1996, p. 18), “[…] educação é um fenômeno social. Isso significa, que ela é parte integrante das relações sociais, econômicas, políticas e culturais de uma determinada sociedade”. Nesse contexto, a educação é um instrumento de mediação humana que se desenvolve de forma a objetivar a construção de uma sociedade inclusiva.

Dados da PNAD-COVID, realizado no ano de 2020, revelaram que 6,4 milhões de estudantes (13,9% do total) não tiveram acesso às atividades escolares, sendo que a evasão escolar dentre negros e indígenas é três vezes superior à de brancos. Isso revela que a pandemia aprofundou o abismo racial existente no País

De fato alunos e alunas negras foram os mais afetados no contexto da pandêmico. É importante enfatizar que as meninas tiveram que largar as atividades escolares e priorizar os serviços domésticos. Muitos jovens se viram na encruzilhada de ter que largar os estudos e trabalhar para conseguir apoiar a família nas despesas do lar. Tantos outros enfrentaram barreiras de acesso ao ensino remoto, seja por falta de equipamentos de informática, seja pela precariedade do acesso à internet.

Infelizmente a desigualdade social e a falta de projetos que garantam a inclusão e a permanência de alunos e alunas em situação de vulnerabilidade social são uns dos fatores que alimentam os números de evasão escolar. 

Os desafios para os próximos anos serão intensos e professores devem estar preparados para lidar com todos os fenômenos, inclusive os ideológicos que foram introduzidos por governos descomprometidos com a vida. Para Chauí: Pode-se dizer que uma ideologia é hegemônica quando não precisa mostrar-se, quando não necessita de signos visíveis para se impor, mas flui espontaneamente como verdade igualmente aceita por todos.

Sabe-se que a educação envolve interesses antagônicos e disputas de narrativas. A educação pode sim ser revolucionária, mas também pode servir para reproduzir e produzir ideologias.

Bourdieu (1980), que, nas relações escolares, estão em jogo interesses e implicações sociais específicos que definem e organizam a produção de bens cognitivos em diferentes esferas de produção simbólica e material: as relações de poder entre professores e alunos na sala de aula, as representações que a instituição escolar e o professor produziram de cada aluno e das suas capacidades de aprendizagem.

Não tenhamos dúvidas que as escolas, assim como outras instituições públicas terão que contiuar resistindo para continuar existindo. Para Paulo Freire Ensinar o povo ver criticamente o mundo é sempre uma prática incômoda para quem funda seus poderes sobre a inocência dos explorados. É mister que educadores participem da construção de normativas que possam jogar luz nos débitos que o Estado tem com a sociedade brasileira no que se refere a uma educação autônoma, libertadora, na qual o indivíduo reflita de forma crítica a respeito de sua vocação humana (Haddad, 2004).  

Referências

CHAUÍ, M.S. Ideologia e Educação. Edu. Pesqui., São Paulo, v.42,n.1, p.245-257, jan/mar.2016

LIBÂNEO, J. C.; PIMENTA, S. G. Formação dos profissionais da educação – visão crítica e perspectivas de mudança. Educação e Sociedade, Campinas, n. 68.

SAWAYA, Sandra.M. Fracasso escolar e as novas propostas pedagógicas do Ciclo Básico. Cap.1 A leitura e a escrita como práticas culturais e o fracasso escolar das crianças de classes populares: uma contribuição crítica. Tese de Doutorado p.7-20


Sibele Gabriela dos Santos,  feminista, militante pelos Direitos Humanos, abolicionista, graduada em Serviço Social pela Unesp, pós-graduada em Política de Assistência Social, MBA em Administração Pública e Gerência de Cidades, curso profissional em Neurociência pela PUCRS, especialista em Africanidades e Cultura Afro-Brasileira, Promotora Legal Popular, Especialista em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global pela PUCRS, mestranda em Planejamento e Análise de Políticas Públicas na Unesp, pós-graduanda em MBA em Gestão de Projetos pela USP, graduanda em Formação Pedagógica para Docentes pelo IFSP, pós-graduanda em Direitos Humanos, Saúde e Racismo: questão negra pela FIOCRUZ, mestranda em Educação pela USP e líder acelerada do Programa de Aceleração do Desenvolvimento de Lideranças Femininas Negras: Marielle Franco pelo Fundo Baobá.


** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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